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“Estou enfermo, não sei ler nem escrever”

Foi com estas palavras que um amigo meu me comoveu profundamente.

Trabalhador agrícola nas terras do Cabrestante. Foi pescador com os seus amigos para sustento de sua casa. Viveu numa casa de madeira que ia crescendo à medida que os filhos nasciam. Bebia uns copos e por vezes complicava situações… Dador de sangue. Foi corredor de fundo amador, e ficava tão contente quando nós , na Ramboia, lhe batíamos palmas quando ele ia à frente na corrida!

Em 1972, embarcaram rumo à Venezuela para trabalhar , no duro, nas terras alugadas ao KM 21 a caminho de Junquito. Mulher e filhos todos trabalhavam com ele na terra. A mulher era cozinheira, lavadeira e dirigia a vida de casa e também de alguns trabalhadores na Venezuela.

Seus filhos trabalharam, criaram empresas na área alimentar mas sempre com o coração na Madeira e na Venezuela…mas os netos já preferem abandonar o País.

O meu amigo, mal teve algum dinheiro, veio à Madeira ser “festeiro” em São Martinho. E, sem saber ler nem escrever tinha carta de condução de pesados.

Os anos passaram. O meu amigo vive da pequena pensão que recebe em Portugal. Vive com os filhos que lhe dão casa e alimentação. São “carradas” de medicamentos que leva quando cá vem para as diversas patologias.

Agora, o meu amigo está “enfermo”, está surdo de um ouvido e quase do outro e precisa de aparelho e são necessários dois mil euros. Tem cataratas e são precisos cerca de cinco mil euros O meu amigo arrasta-se nos seus quase noventa anos.

Tenho escrito sobre “Herdeiros e continuadores”, porque conhecemos gente que herda e num ápice gasta o que os pais lhe deixaram. Cada um de nós tem de pensar na velhice que deve ser activa e com alguma qualidade. Saúde, Segurança Social e Educação devem ser obrigação do cidadão e do Estado. Não podemos gastar o que não temos.

Deve ser por ser velho. Deve ser porque dou valor ao trabalho. Trabalho toda a vida em projectos de saúde e de voluntariado. Dou valor à vida e à gestão dos meus recursos e aos do Estado. Nada cai do céu. As soluções para muitos problemas devem ser, e ter o apoio do Estado e ser encontradas em cooperação com os cidadãos.

Os organismos oficiais precisam ser bem geridos e de forma humanizada de maneira a podermos viver a última fase da vida e morrer com dignidade.