Madeirensidade: sem medo, vergonha ou preconceito…
Quando há mais de uma década avancei com uma proposta para cunhar o vocábulo e o conceito de Madeirensidade, as respostas e manifestações que a partir de então observei não me surpreenderam. Tipifiquei-as em 4 grupos: as provenientes do meio académico, onde em primeiro lugar, até pela natureza da proposta, expus e coloquei em discussão o conceito; aquelas, felizmente escassas, a revelar uma tentativa de apropriação; aquelas cuja intenção era tentar diminuir, esvaziar ou ridicularizar o conceito (grupo em que incluo os que não o usam, apesar de saberem da sua existência, para não contribuírem para a sua aceitação, tentando relegá-lo à “não-existência” e à extinção); e por último - mas não em último lugar - aqueles, cada vez mais numerosos (porque também é cada vez mais frequente a reflexão histórico-cultural sobre o espaço insular madeirense), que lhe dão uma utilização concreta (desde teses académicas a outras intervenções públicas, registadas em órgãos de comunicação social ou plataformas afins), isto é: aqueles que conhecendo o vocábulo o adoptaram, conscientes do seu significado, para através dele projectar um pensamento, uma realidade e um pulsar, transformando-o num farol, que sinaliza e alerta, mas que também ilumina o horizonte e sintetiza uma mensagem e um conteúdo que se pretendem identitários.
Como é evidente, não é este o espaço indicado para comentar tais respostas ou, menos ainda, para apresentar os argumentos que fundamentam e explicam o que devemos entender por Madeirensidade. Já o fiz em outros textos, com muito maior extensão, em particular um, inserido em publicação comemorativa dos 25 Anos da UMa (2015), que à época significou um estado-da-questão (porque síntese de textos anteriores), o desenvolvimento de algumas premissas-chave e a problematização de vias futuras.
Não estamos, portanto, perante uma definição encerrada. Pelo contrário. Trata-se de um conceito aberto e inclusivo, dialogante, não apenas naquilo que pretende significar e resumir, mas também nos contributos que deverá receber, para que se possa afirmar e fortalecer. E, acima de tudo, para que através dele se projecte o Ser Madeirense, insular e diaspórico, europeu e atlântico - e até macaronésico.
É tudo isto, a Madeirensidade. Não só (mas também) dos Poios e dos Xavelhas, das Levadas, dos Rocheiros e da Laurissilva - e de tantos outros elementos que aqui não cabem - até aos legítimos representantes do Povo Madeirense, por ele eleitos ao longo dos séculos, passando pela diáspora e por todos aqueles que, erguendo a sua voz e/ou trabalhando arduamente, contribuíram para construir um espaço arquipelágico. Um arquipélago que, sendo Portugal, também assume historicamente uma Autonomia conquistada, que pretende desenvolver e reforçar (como sempre, desde há mais de dois séculos), fundada num sentimento e consolidada na legitimidade de ser diferente. Que tem um passado e um presente, substantivos e com reflexos políticos, jurídicos, sociais e económicos. E aos quais, por ser essa a natureza das coisas, não se pode negar um futuro.
Falar de Madeirensidade é ter consciência da correlação e reciprocidade de contributos e elementos, dados por diversas áreas do saber que se ocupam da realidade madeirense e da definição da sua existência (da Literatura à Biologia, passando pela Linguística, Etnografia, Geografia, Antropologia, entre outras). Mas sem que a sua construção assente em perspectivas redutoras, em elementos determinantes, em teses essencialistas ou em supostas especificidades biológicas, embora estes sejam argumentos que também não podem ser ignorados. Hoje, a definição de Identidade não se entende de uma forma monolítica, mas sim heterogénea e dinâmica – e sempre agregadora.
O caminho é árduo e só pode ser feito com pequenos passos. Evitando equívocos e combatendo a ignorância, com a certeza de que existem riscos, potenciados pela complexidade do assunto. Mas só assim se constrói uma Identidade, no tempo e no espaço. Daí a importância (não exclusiva) da História, do conhecimento que esta fornece e da relevância da sua divulgação. Desde os primeiros níveis de ensino, a exigir educadores e docentes preparados.
Resta perguntar: então, porque não se utiliza com mais frequência, ao ponto de se tornar comum a sua verbalização, o termo Madeirensidade, como se faz, por exemplo, com Portugalidade, com Açorianidade ou até com Cabo-verdianidade? Será medo, vergonha ou preconceito? O leitor, avisado, que conclua.
Mas o que ainda me causa surpresa - em alguns casos, até um lamento – é verificar que a respeito de determinadas comunidades e espaços, onde predomina largamente o Madeirense ou onde persiste, de forma vincada a sua ancestralidade - a qual, aliás, é registada com elevado orgulho e distinção - se continue a preferir falar de Portugalidade em vez de Madeirensidade, quando é exactamente esta - a Madeirensidade - que os motiva e lhes dá a verdadeira especificidade identitária. Porquê? Bem, isso já será outra História.