Geridos por Excel?
Ao longo da minha vida tenho-me deparado, diversas vezes, com tentativas por parte de decisores em justificar as suas posições apontando para os resultados apresentados por folhas de cálculo na maioria das vezes de Excel.
Lembro-me de quando era Reitor receber, normalmente no mês de agosto, a proposta de transferência do Orçamento de Estado para a Universidade para o ano seguinte. A proposta vinha acompanhada por um conjunto de folhas de cálculo que implementavam a fórmula de financiamento para cada Universidade.
Sendo um dos meus campos de investigação a Economia da Educação dediquei-me a perceber o funcionamento das folhas recebidas. O que depressa me apercebi é que as decisões já deveriam estar tomadas antes mesmo dos dados estarem introduzidos, porque havia quase sempre uma folha com os resultados finais que implicavam cortes para umas Universidades, mas não para todas, fazendo com que os resultados finais fossem como um evoluir histórico das transferências anteriores não importando o evoluir real do número de alunos que era a base da fórmula de financiamento.
No segundo ano em que recebi as folhas apercebi-me que a fórmula de financiamento era modificada de ano para ano, o que tornava quase impossível prever qual a transferência que se iria ter usando a fórmula do ano anterior. Assim especializei-me a ser junto dos meus colegas reitores quem lhes apontava as alterações que havia de ano para ano.
Quando o desfasamento entre a transferência a que tínhamos direito e o que era proposto se tornou muito difícil de explicar, houve uma alteração da fórmula de financiamento passando esta a ser redistributiva e não baseada num orçamento padrão como até essa altura. O problema não estava nas folhas de Excel e nos resultados dos cálculos que apresentavam, o problema estava na projeção para as folhas de uma espécie de “desejos ocultos”.
A minha luta na altura foi tirar dos cálculos todos os fatores que não tinham sentido lá estarem… e assim conseguimos para 2009 um aumento de financiamento para a Universidade da Madeira de 16%, ou seja, mais de um milhão de euros.
Hoje nalgumas instituições deste país, infelizmente, pelas notícias que vamos lendo na imprensa, existem pessoas convencidas de que as folhas de Excel representam a realidade e assim continuam a projetar para aquelas as suas mais variadas aspirações, seja cortar nos salários reais, seja aumentar os horários de trabalho, seja diminuir os apoios sociais entre muitos outros exemplos. Porém esquecem que o mais importante trabalho não é gerar números numa folha de Excel, mas sim saber adaptar as medidas ao real concreto, contextualizando-as na realidade que as pessoas vivem.
Pois é, continuamos a receber (e desconfio que continuaremos a receber) folhas de cálculo ou resultados dessas folhas para justificar normalmente cortes no que estávamos à espera de ter direito. Não tive acesso aos cálculos que justificaram os aumentos de pensões de forma diferente da existente na lei, mas estou certo de que o culpado foi alguma folha Excel… a culpa já não morre mais sozinha!