Brandos Costumes
Portugal e os portugueses são um país e um povo brandos nos seus costumes até quando comparados com outros povos e países do sul europeu que, por si só, já são vistos internacionalmente como sendo os mais “relaxados” na vida. Esta “brandura portuguesa” torna-se ainda mais evidente quando vista sob a lente de tempos conturbados como os que vivemos na atualidade em que – devido a dois longos anos de pandemia e confinamento seguidos de (para já) oito meses de uma guerra do outro lado da Europa – a situação económica nacional está a se deteriorar de forma particularmente grave como se observa pela taxa de inflação do país.
Ficam os portugueses revoltados com esta crise que se avizinha e com o facto de o Governo oferecer soluções sem qualquer tipo de longevidade como é o caso dos infames 125 euros? Sim. Tentam os portugueses aplicar pressão séria, organizada e isenta de “politiquisses” para provocar mudança? Não.
Por pouco que o pareça, este artigo surge em razão das celebrações do 5 de outubro, data em que se honra o fim do Reino de Portugal e o início da República Portuguesa. Como de costume neste tipo de datas, assistiu-se a uma torrente de comentários sobre a vitória da república sobre a monarquia sem qualquer espírito crítico por parte de quem julga que existe responsabilidade política em votar num único partido durante toda a vida só porque sim. A partir da apreciação de tais perspetivas, das últimas “revoluções” que ocorreram neste país e da atual situação nacional, algo se torna óbvio: o povo português realmente é um povo que, sempre pronto para se queixar no “café” mas sem vontade para agir, apenas muda quando uma determinada elite o ordena, desempenhando, assim, o mero papel de figurante. Apesar disso, ainda nos dizemos a nós mesmos que é a vontade/luta do povo que triunfa e não que somos nós que nos adaptamos (para melhor ou pior) aos novos “reis”. Por outras palavras, somos o equivalente a um gato doméstico que, pensando ser leão, se encontra à mercê de uma criança de dez anos.
A noção de que somos uns “paus mandados” é uma verdade dolorosa, mas factual. Vejamos aquele que é o trajeto do zé povinho ao longo das últimas três grandes revoluções do Portugal republicano: abolição da monarquia portuguesa e Implantação da República – um processo motivado por elites intelectuais (Partido Republicano) que, em quase nada, tocou no povo, mesmo que consideremos a Carbonária como um elemento puramente civil; o golpe de Estado de 1926 que deu origem ao Estado Novo – um processo motivado pelas forças militares; a Revolução dos Cravos – também protagonizada pelas forças militares, que acabou por ter o apoio civil mas apenas depois de estar percebido qual seria o resultado do movimento.
Como se não bastasse a ideia de que as revoltas que por cá se fazem não são revoltas populares mas sim revoltas grupais (se não mesmo elitistas), mais deprimente ainda é o facto de que, como referido, depois de tudo estar feito, o povo luta por acreditar que foi ele que implementou a mudança ou então que era aquilo que sempre quis. Vezes sem conta se tem comprovado que não é uma verdade absoluta a de que os portugueses sempre odiaram o regime mais recentemente abolido. Aliás, como o demonstra o pós-25 de Abril, evento em relação ao qual se infere que todo português vivia em terror do regime salazarista/marcelista, já foi demonstrada a forma como vários portugueses se aproveitaram da PIDE para eliminarem os seus inimigos. Se dúvidas houver, leia-se o livro de Duncan Simpson “Tenho o prazer de informar o senhor director… Cartas de portugueses à Pide (1958-1968)” e/ou o de Irene Flunser Pimentel, “Informadores da PIDE, Uma tragédia portuguesa”.
Analisando a nossa história “revolucionária” enquanto República, as nossas aceitação e desaceitação instantânea de regimes e políticas recém derrubados/as, e observando o nosso “queixume” mas inação em relação a tudo o que é política portuguesa contemporânea, parece não restarem dúvidas de que o povo português não passa de trigo ao vento.
Ao passo que na nossa vizinha Espanha, os catalães provocaram uma crise política em 2017 para se fazerem ouvir contra o seu estado centralizador; ao passo que na França em 2018 os coletes amarelos lembraram ao mundo que foram os franceses que estiveram no centro da revolução francesa de 1789; ao passo que na Alemanha e na Itália já começaram os grandes protestos contra a subida dos preços; no nosso amado Portugal mal se assiste a algum sinal de vida no que toca a querer mudança. Isto porque, no final de contas, somos e seremos sempre gente de brandos costumes.