O bom, o mau e o empresário
A clareza do Papa contrasta com o calculismo de Marcelo especialmente depois do inconcebível aviso ao bispo José Ornelas
A ministra da Defesa anunciou que Portugal enviará para a Ucrânia 6 helicópteros Kamov. Os aparelhos, utilizados no combate a incêndios, não têm licença para voar em território nacional por força das sanções aplicadas à Rússia. Para além da justiça poética de um aparelho russo estar ao serviço da Ucrânia, a doação portuguesa tem condições especiais. Cinco helicópteros precisam de reparação e o sexto ficou inoperacional num acidente. Perante o asterisco da oferta portuguesa, a ministra explicou que os ucranianos vão reparar os aparelhos. Feitas as contas, a Ucrânia ainda deu uma ajuda ao governo português.
O bom: Mapa de Arquitetura da Madeira
Sobre a boa arquitetura, escreveu Sophia de Mello Breyner, que seria a expressão duma relação justa com a paisagem e com o mundo social. “Fora destas coordenadas só há má arquitetura”, sentenciou a poetisa. Sophia não terá escrito sobre arquitetura a pensar em Rui Goes Ferreira, mas a sua conclusão assenta no arquiteto madeirense com especial acerto. Basta olhar para o Bairro dos Pescadores, em Câmara de Lobos, ou para o Bairro da Ajuda, no Funchal, para encontrar a escala humana e a intimidade com o território que Goes Ferreira oferecia aos seus projetos. Só com essa atenção ao pormenor foi possível inserir uma unidade industrial no coração do Funchal e, ainda assim, estabelecer uma relação equilibrada com o restante ambiente urbano. Ali, é visível o diálogo entre a tijoleira de cor cerâmica e a marmorite cinzenta da antiga fábrica de cerveja e a cor do basalto e das telhas que predominam no Funchal. Por isso, não é possível falar de arquitetura madeirense sem, simultaneamente, percorrer a obra de Rui Goes Ferreira na Madeira. Essa viagem arquitetónica, tem agora orientação e contexto. O Mapa de Arquitetura da Madeira, iniciativa da secção regional da Madeira da Ordem dos Arquitetos, oferece-nos percurso para um legado que é tão extenso como desconhecido. No mapa estão indicadas as coordenadas de acesso às 22 obras de Goes Ferreira, acompanhadas de registos fotográficos e de uma breve explicação. A viagem começa em www.mapadearquitetura-madeira.com.
O mau: Marcelo Rebelo de Sousa
Entre a imoralidade de um ministro que é, simultaneamente, eurodeputado, vereador, médico num hospital público e diretor clínico num hospital privado e a ilegalidade de outro que é sócio de uma empresa com o pai, Marcelo brindou-nos com a inabilidade pontuada com insensatez. E não foi por falta de oportunidade de emendar a bizarria estatística de não considerar 4 centenas de casos de abuso sexual na Igreja um número elevado. Depois do dislate, o Presidente explicou por três vezes as suas declarações. E a cada vez tornou tudo, ainda mais, sofrível. Bastava-lhe a simplicidade de um pedido de desculpa, tal como fez o Papa Francisco em visita ao Canadá perante os abusos cometidos contra crianças ao cuidado da Igreja. A clareza do Papa contrasta com o calculismo de Marcelo. Especialmente depois do inconcebível aviso ao bispo José Ornelas de que estaria a ser investigado. O facto de ter transmitido a denúncia ao Ministério Público não lhe desculpa o pecado presidencial. A desqualificação estatística da pedofilia na Igreja Católica e o pré-aviso episcopal são oportunidades perdidas pelo Presidente da República de contribuir para um exercício, difícil mas urgente, de investigação e de reforma estrutural da Igreja. O problema não reside, apenas, no número de abusos cometidos, mas na prática clerical reiterada de encobrimento dos infratores. Esse manto opaco é o pecado original. Sobre como lidar com esse cancro, que corrói a confiança católica, Marcelo deveria procurar inspiração no Papa Francisco. Tolerância zero.
O empresário: Pedro Nuno Santos
A TAP é uma empresa estratégica. A TAP é como as caravelas. A TAP não pode ser privatizada. A TAP é do povo português. A TAP é nossa. Palavra de socialista, ponto final. Há muito que a transportadora aérea portuguesa nos habituou às delongas, por isso os 7 anos que levou a passar de tesouro nacional até candidata à privatização urgente foi apenas mais um capítulo no longo livro de atrasos da TAP. Outra imagem de marca da companhia é o custo. Também nesse aspeto a TAP é consistente. A companhia de bandeira, último garante das ligações aéreas entre Portugal Continental e Insular, continua, impávida e impune, a praticar preços mais altos do que a concorrência nos voos que deveria garantir. Para além de lucrar com o interesse público, a TAP ainda nos custou 3 mil milhões de euros a salvar. Pedro Nuno Santos, ministro feito empresário, é a face visível da nacionalização que borregou. Gerir uma empresa com o dinheiro dos contribuintes dá para tudo. Persistir na fantasia de uma companhia de bandeira, romantizar com o contributo insubstituível para as exportações, brandir o estandarte da criação de emprego, até profetizar o fim do turismo com a queda da TAP. Só a ideologia justificou a injeção estratosférica de dinheiro numa companhia aérea falida, sem qualquer plano sustentável de saída. Afinal, a TAP não vive isolada. Afinal, a TAP precisa de um parceiro. Afinal, a TAP é para privatizar. Afinal, a TAP é o que o ministro quiser.