Guerra sem fim à vista e custos políticos na UE a aumentar
A escalada da guerra na Ucrânia mostra que estamos perante um conflito sem fim à vista, e que pode ter graves consequências sociais e custos políticos, sustenta o diretor do Conselho Europeu de Relações Externas, Mark Leonard.
"Temo que estaremos numa guerra muito longa. Não vejo como pode acabar (...) Estamos num caminho de escalada no momento e temo que, assim que de um lado começar a correr bem, isso nos levará a outro tipo de caminho de escalada", disse Mark Leonard em entrevista à agência Lusa.
Do ponto em que estamos, afirmou, "é muito difícil ver como se sai deste ciclo" porque "estamos muito longe de ter qualquer fórum para negociações. Não há canais diplomáticos abertos neste momento" e "o grande medo é que se transforme numa guerra nuclear, o que seria impensável".
Uma das consequências, além da destruição do país invadido pela Rússia, que Leonard destacou é que "os custos políticos estão a começar a aumentar" para os países da União Europeia e a guerra pode realmente contribuir para conflitos sociais e a ascensão do populismo.
"Já vimos o colapso do Governo búlgaro, do Governo italiano, e penso que o que se pode ver no próximo período de tempo é que a crise na Ucrânia provoca uma série de outras crises. Já tivemos uma crise de refugiados, (esta) pode ser cinco, seis vezes pior do que a de 2015; a crise económica que está a chegar pode ser muito pior do que a crise do euro... E depois a crise do populismo pode ser ainda pior do que em 2016", teme este analista.
"É esse um dos receios nos próximos meses, que mais governos caiam", sublinhou o diretor do Conselho Europeu de Relações Externas, que esteve em Portugal para participar nas Conferências de Lisboa.
"Vimos os resultados na Suécia (em que a aliança de direita e extrema-direita venceu as eleições), vamos ter uma eleição na Dinamarca, e penso que poderá ter um impacto muito negativo na funcionalidade da União Europeia se (Georgia) Meloni e (Vitor) Orbán e pessoas assim começarem a trabalhar em conjunto", advertiu, referindo-se à futura chefe de governo de Itália, líder da extrema-direita, e do primeiro-ministro nacionalista da Hungria.
Mark Leonard adverte que estamos numa economia de tempo de guerra, "teremos uma política em tempo de guerra" e os governos, que não têm como por fim à guerra, terão de explicar isso muito bem às pessoas.
"O dividendo de paz que tivemos nas últimas décadas está a chegar ao fim", biliões de euros vão ser gastos na defesa e não há como evitar a escalada dos custos da energia, afirmou.
A guerra na Ucrânia só parcialmente está a ser travada com tanques, aviões e projéteis, uma grande parte tem a ver com a resiliência social e Vladimir Putin, o Presidente russo, joga esperando que a dos russos dure mais do que a dos apoiantes ocidentais que estão a financiar da Ucrânia neste momento.
Quanto mais tempo a guerra continuar, maior é a probabilidade de conduzir "a estes terríveis efeitos de segunda e terceira ordem, efeitos políticos, efeitos económicos, efeitos sociais".
"É preciso proteger as pessoas o máximo possível das consequências negativas. Em segundo lugar, explicar o que se está a passar. Em terceiro lugar, mostrar que se está a fazer tudo possível para encontrar uma solução diplomática, porque as pessoas são mais propensas a apoiar medidas agressivas contra a Rússia se pensarem que o objetivo é tentar trazer a paz", sustentou diretor do Conselho Europeu de Relações Externas.
Mark Leonard referiu ainda lições que a guerra já deu, como fazer os europeus perceber que têm muitos recursos -- maior mercado único, investimento em defesa, capacidade de moldar regras -- mas para os transformar em poder real e para se defender "é preciso pensar e organizar-se de uma maneira diferente".
Outra questão é repensar o modelo económico. "Costumávamos pensar que a interdependência transformava inimigos em amigos. Estamos a descobrir que isso não é verdade com a Rússia", afirmou.
"Também temos de repensar sobre como nos relacionamos com o resto do mundo. Costumávamos ver o resto do mundo desesperado para se tornar como nós, ser transformado de acordo com os nossos valores. Percebemos que o principal desejo no resto do mundo é recuperar o controlo e definir o seu próprio futuro, e não estão desesperados para se tornarem como nós", defendeu ainda na entrevista à Lusa.