Presidente da República já pediu ao parlamento que reveja lei de incompatibilidades
O Presidente da República pediu hoje ao parlamento, como tinha anunciado na terça-feira, que reveja o regime jurídico sobre as incompatibilidades e impedimentos de titulares de cargos políticos, caso a Assembleia da República "considere relevante e necessária tal reflexão".
"Com efeito, o emaranhado legislativo complexo tem suscitado ampla controvérsia na sociedade portuguesa, numa matéria essencial para a confiança dos cidadãos nas instituições, a qual resulta de uma imposição constitucional, dúvidas essas que foram expressas, inclusivamente, pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República", justifica Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota hoje divulgada no site da Presidência da República.
Depois de na terça-feira o Presidente da República ter manifestado essa intenção, pelo menos o PSD já defendeu que a mudança legislativa não é uma prioridade, mas sim o esclarecimento por parte do Governo de alguns casos de alegadas incompatibilidades que têm sido noticiados nas últimas semanas envolvendo vários membros do executivo.
Na mensagem hoje enviada à Assembleia da República, o chefe de Estado começa por salientar que a Constituição impõe que "o legislador estabeleça os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como as consequências do respetivo incumprimento".
Marcelo Rebelo de Sousa recorda, depois, as muitas leis aprovadas pela Assembleia da República sobre esta matéria desde 1983, até à mais recente legislação, de dezembro de 2021, relativa aos crimes de Responsabilidade dos Titulares de Cargos Políticos e, ainda, o Estatuto da Entidade para a Transparência, aprovado pela Lei Orgânica n.º 4/2019.
O Presidente da República considera que "este complexo emaranhado legislativo tem suscitado ampla controvérsia na sociedade portuguesa", numa matéria que é "essencial para a confiança dos cidadãos nas instituições" e que resulta de uma imposição constitucional.
Para sustentar esta posição, Marcelo Rebelo de Sousa invoca "as dúvidas interpretativas subjacentes aos regimes em causa" já expressas pelo Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, em dois momentos, no parecer n.º 25/2019 e no parecer n.º 6/2021.
"No primeiro caso, fazendo referência a uma potencial interpretação conforme à Constituição do regime em causa, para o conformar com o princípio da proporcionalidade, acaba por operar uma 'redução teleológica', para distinguir as situações previstas na lei", aponta.
Quanto ao segundo parecer, o Presidente da República salienta que, numa das conclusões, este Conselho Consultivo da PGR refere que a "fixação literal nos conceitos de contratação pública e de pessoa coletiva (...) representa um duplo fator de obscuridade e que deve ser ponderado cuidadosamente, quer pelo legislador parlamentar, quer pelo Governo, enquanto órgão superior da Administração Pública".
"Não se afigura conveniente que, nesta matéria, o intérprete tenha de se socorrer de métodos interpretativos como a redução teleológica ou que admita a existência de obscuridades", defende o chefe de Estado.
Por esta razão, justifica, entendeu dirigir uma mensagem à Assembleia da República sobre esta matéria.
"Solicitando, caso esta considere relevante e necessária tal reflexão, que proceda à revisão da legislação em vigor referente à matéria do exercício de funções por titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, suas obrigações declarativas e respetivo regime sancionatório traduzindo-a num corpo único e claro que regule, nomeadamente, o exercício dos cargos, respetivos processos decisórios, suas relações familiares e outras, assim eliminado as dúvidas interpretativas ou obscuridades que ainda subsistam", escreveu o Presidente.
Na terça-feira, em declarações aos jornalistas, Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que essa revisão deve definir "por onde deve passar um regime que pacifique as angústias da sociedade portuguesa" com possíveis situações de "nepotismo ou relações clientelares excessivas".
Na sua opinião, a lei atual, que promulgou, "não restringe de forma intolerável ou inadmissível ou impensável a participação de parentes ou familiares de responsáveis a todos os níveis".
O que se deve reponderar agora "não é só grau de parentesco, é o grau de relação entre entidades públicas", por exemplo, se para efeitos de incompatibilidades "ministérios diferentes do mesmo Governo" devem ser tratados "como se fossem um só", apontou.