Queremos esta Europa?
Porque quem esquece as lições do passado corre o risco de repetir os seus erros
A União Europeia tem as suas origens no século passado, quando um continente europeu traumatizado pela violência de duas guerras mundiais procurou criar laços entre velhos inimigos, especialmente a França e a Alemanha, e unir os estados liberais em torno de um projecto político para um futuro de paz. Com base nestas premissas, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço nasceu, estabelecendo a base sobre a qual foram pensados e edificados os demais tratados que levaram à Comunidade Económica Europeia e, por fim, à própria União Europeia.
Assim, e como é demonstrado pela História, os factores económicos foram meras justificações para a materialização de objectivos vistos como muito mais importantes, especificamente a fundação de um novo Iluminismo que, alicerçado nos valores humanistas que tinham inspirado a Revolução Americana e a Revolução Francesa, eliminasse qualquer cenário de guerra num continente que, em apenas três décadas, tinha vivido a barbárie de dois conflitos globais. No centro de tudo estavam as pessoas, que tinham de ser salvas das sombras da violência e conduzidas a uma nova era de crescimento, fraternidade e prosperidade.
Porque quem esquece as lições do passado corre o risco de repetir os seus erros, esperava-se que a actual chefia da União honrasse os nobres princípios sobre os quais o projecto europeu foi fundado, ainda mais agora, quando a Europa enfrenta desafios que têm agravado o empobrecimento, exacerbado o desemprego, aumentado o desespero e alimentado rancores extremistas, outrora tidos como ultrapassados. Porém, a atitude de quem lidera tem sido outra e a análise feita por Úrsula Von der Leyen no seu discurso sobre o Estado União é apenas mais um reflexo da vertiginosa distância que separa as elites de Bruxelas dos povos que (supostamente) deveriam servir.
Mais interessada em lançar a campanha para um segundo mandato do que em abrir janelas de esperança, a presidente da Comissão prometeu mais apoio ao conflito na Ucrânia, fazendo uma apologia do mesmo, como se a guerra fosse motivo de celebração retórica – ainda mais uma guerra que as famílias estão a pagar a língua de palmo. No mesmo tom, insistiu em taxar os lucros das empresas da energia, o que vai trazer a Bruxelas centenas de milhões em impostos, porém nem apontou a um esforço para redistribuir essa receita pelos trabalhadores, que, sem qualquer hipótese de escolha, sustentam a privilegiada burocracia europeia. E seria fácil fazer diferente!... Bastaria aumentar os salários ou, pelo menos, convidar o BCE a reverter o criminoso aumento de juros que nos impôs, apertando o garrote a quem trabalha e asfixiando com brutalidade as condições de investimento.
Como se isto não bastasse, a Comissão Europeia foi ainda mais longe, e, sem qualquer noção ou senso comum, criou um monstro e uma vítima ao sugerir sanções ao governo húngaro por infrações que, como sabemos, têm criado tantas fortunas, até na ‘certinha’ Espanha e na ‘cumpridora’ França. Caso o Parlamento Europeu não ponha travão a esta e a outras infelizes ideias, poderemos bem ter mais um ‘exit’ à porta ou até mais partidos extremistas a conquistar o poder, como aconteceu recentemente em Itália. Qualquer um dos cenários, que estão hoje mais perto de acontecer do que antes, podem ser fatais nesta Europa que defende o mercado selvagem, os grandes grupos económicos, as mordomias dos seus líderes e até a romantização da guerra. Ao mesmo tempo, cava mais fundo as assimetrias e deixa os povos à míngua.