De que serve viver mais tempo?
Ao peso da idade acresce um sem número de atitudes que atraiçoam o sonho
A esperança média de vida na Região ainda é inferior à do continente, mas tem vindo a aumentar. A longevidade dos madeirenses passou de 73,2 para 78,6 anos, ou seja, ganhamos cinco anos em duas décadas. E depois, como é que é a experiência na realidade dessa esperança desejada? Ficamos mesmo a ganhar em qualidade de vida, em mobilidade efectiva, em acompanhamento social e em generosos afectos? Às legítimas expectativas correspondem os tradicionais comportamentos tolerantes ou as decisões a vários níveis, sempre com justificações bem engendradas, configuram fraude, despudor ético e tratamento dos nossos mais velhos como um fardo? E as directrizes dos diversos poderes dão resposta ao desejo de viver como sempre o fizemos, integrados e independentes, lúcidos e dinâmicos? São inúmeras as questões que se colocam, muitas das quais sem resposta edificante. De facto, de pouco ou nada servirá viver mais tempo, se não nos educam para tal, para a percepção inequívoca das limitações naturais, mesmo que o peso da idade possa ser usado como desculpa para todos os males. Se há uma tendência crescente na sociedade para estigmatizar os que chegados a uma idade respeitável, mesmo tendo perdido várias faculdades motoras, conservam na memória sábios conhecimentos que merecem escuta activa. Se são evidentes as tentativas de dispensar quem mais sabe dos momentos de partilha e de calar a voz genuína e experimentada. Se quem manda teimar em obrigar o mais modesto dos remediados a deixar tudo e todos, rumo ao desconhecido e distante, de modo a conseguir equilibrar contas e alimentar famílias que por vezes ficam órfãs de referências e de valores. Se nos tiram o merecido descanso e prolongam inexplicavelmente a idade da reforma, vista muitas vezes como um luxo, como se houvesse imprescindíveis em determinadas funções, impedindo assim os novos de porem em prática ideias e projectos, a força do trabalho e a irreverências das propostas. Se nos prometem quase tudo e nos dão migalhas para ajudar a engolir os numerosos remédios destinados a mitigar a dor, a rejuvenescer tecidos ou a matar células inimigas. Se os craques dos impostos tiram quase 50 por cento do que ganhámos com o suor do nosso rosto, para assim garantirem sem escrúpulos o funcionamento das máquinas despesistas e a sobrevivência da burocracia onerosa. Se somos forçados ao êxodo rural, por via das políticas que tiram das origens naturais as referências que podiam fazer a diferença em cada lugar, quer na construção de alternativas de poder, como na criatividade da gestão da coisa pública. Se somos tratados como descartáveis depois de tanta entrega à comunidade ou como números, importantes e válidos apenas se votarmos, mesmo que durante as campanhas sejamos ignorados pelos incapazes em ler os sinais dos tempos porque ocupados a satisfazer clientelas e a escrever comunicados de imprensa. Se somos considerados como problemáticos na hora de ter alta hospitalar ou como estorvo por ocasião das festas. E se nos entretêm com momentos lúdicos, sem lugar para o talento de cada um, ou com outras anestesias que nos deixam sem mais palavras...