Exército de gente feliz
Esta semana tinha um jantar marcado com uma amiga com quem não estava há algum tempo e com quem tinha (e tenho) vontade de recuperar uma amizade que sempre foi boa para os dois lados. Antigamente dávamos festas em que cada um convidava 15 pessoas e acabávamos por juntar gente de meios diferentes e que se acabavam por divertir juntas porque mesmo sem se conhecerem acabavam por partilhar todas os mesmos valores e o mesmo espírito livre. Depois como escrevi na crónica da passada semana, o tempo e a pandemia criaram um buraco em muitas relações, muitas delas entre quem se gostava e que se habituou a juntar sob o desígnio da amizade, num processo de conversas intermináveis, de muitas risadas e palhaçadas, da partilha de experiências e na leveza de colecionar momentos perfeitos. Agora é tempo de recuperar o tempo perdido, de ir lá atrás e captar para o nosso “exército de gente feliz”, de voltar a arregimentar os nossos, aqueles que sempre nos fizeram bem, sem muitas perguntas ou exigências e que continuam a querer e a valorizar a nossa companhia.
No dia dessa combinação estava cansado, um dia de trabalho que começou cedo, com muitas peripécias pelo meio que me deixou desgastado e sem grande vontade de me animar ou de estar com muita gente. Às vezes também somos animais solitários a precisar do nosso tempo no nosso espaço, sem ruído ou agitação. Ainda assim forcei-me a comparecer para que não se perdesse a oportunidade de estarmos juntos e de voltarmos a encher de ar o balão da nossa amizade e porque o desafio era novamente conhecer gente diferente, fora do meu circuito. Em nove pessoas conhecia três, as outras eram-me perfeitas desconhecidas. Foi-me dado um lugar precisamente num lado em que não conhecia ninguém e o cansaço deixou-me por momento embargado nos meus pensamentos, ausente da mesa e do mundo, pouco atento às conversas que se iam desenrolando, o que chamou a atenção da minha amiga que me havia feito o convite e que de tudo foi fazendo para que socializasse e não me fechasse em mim. Começámos por isso a apresentar-nos uns aos outros e à medida que o jantar foi avançando as conversas foram avançando com ele, os temos surgiram, as perguntas e curiosidades também e quando era altura de pagar, já todos nos conhecíamos uns aos outros.
Tudo o resto é história de mais uma noite em que se fizeram novos amigos, em que se celebraram as boas energias, sem telemóveis para interferir nos momentos ou pessoas mal dispostas. Dançou-se na rua, percorremos espaços alternativos fora do que costumo frequentar, vimos outras caras, ouvimos musicas diferentes. Ficou-me na memória uma das muitas conversas que surgiram ao jantar. Que normalmente as músicas que nos marcaram mais e nos deixaram um saudosismo especial sempre que as ouvimos foram as ultimas da faculdade, das festas que percorríamos sem pensar no dia seguinte ou as do último ano do secundário em que tudo eram sonhos e emoção. Na realidade, assim é, as músicas transportam-nos quase sempre para o tempo em que nos foram apresentadas e para quem nos rodeava nessa altura. Não são raras as vezes em que esses sons que me entram seja no carro, num bar ao lá ao longe em forma de música de fundo num restaurante ou hotel, me levam para outro sítio quando representava qualquer relação ou tempos felizes.
Voltando ao jantar, cada vez me parece mais saudável procurarmos estar com pessoas que nos preenchem através do mesmo tipo de energias. A preguiça e a falta de tempo levam-nos nos dias que correm a girar sempre à volta do mesmo círculo, sem dar muitas oportunidades à vida para nos surpreender para conhecermos outros ambientes e criarmos em nós a ilusão de viver. A vida é feita desses estímulos permanentes e de uma procura incessante de quem nos faça bem, de pessoas com a mesma vontade de viver que nós, que não se fechem nas suas frustrações e nos seus problemas e tenham liberdade de espírito e um desenvolvimento pessoal suficientemente maduro para se permitirem ser felizes sem merdas. É na construção desse exército de gente feliz que nos devemos empenhar, gente capaz de dar e de fazer sonhar, só assim nos sentiremos concretizados e de alma cheia.