O meu amigo
1. Disco: “Las Californias”, dos portugueses L.U.M.E.
2. Livro: “Stalingrado”, de Vasili Grossman. O deslumbre pelo regime que derrotou, a partir desta batalha, o nazismo, a que se segue “Vida e Destino” e a desilusão com o estalinismo.
3. Deixem que vos deixe aqui uma série de confissões, uma defesa de carácter, e outra defesa política.
Depois dos meus desmandos libertários, próprios da juventude, depois de tudo o que fui vendo, ouvindo e lendo, o meu pensamento político foi amansando e encontrei, no liberalismo, o meu porto. Não vou, mais uma vez, fazer aqui um descritivo do que, como liberal, defendo. Há um dito que afirma que “onde estejam dois liberais acaba sempre por haver três opiniões”: a opinião de um, a do outro, e aquilo em que acabam por concordar. Um liberal não é uma pessoa amarga, há uma boa disposição no liberalismo e uma alegria que o caracteriza. A alegria de quem tem convicções e está sempre disposto a defendê-las e a aprimorá-las.
Passei, de modo activo, pelo CDS, durante um par de anos. Fui Presidente de Concelhia e cheguei, mesmo, a apresentar uma moção a um Congresso, nos anos 90, onde o liberalismo já estava presente e era a linha que me definia.
Hibernei, durante largos anos, sem sair do partido e, quando conheci caras novas e cabeças que pensavam a política fora da caixa, julguei ser o momento de voltar a tornar-me activo. Foi por alturas do célebre Congresso do Carlton, o tal das pontes, viadutos e aquedutos, onde rapidamente percebi que a esperança não era mais que uma garotice. Saí uns dois ou três meses depois.
No entretanto, fui participante numa série de grupos liberais que existiam nas redes sociais, devorava blogues e cheguei mesmo a escrever para alguns. Tempos interessantes e de assentar ideias.
Localmente, fui convidado para participar num grupo onde pessoas de várias tendências e de diferentes origens, se encontravam, presencialmente, para falar de política, com elevação e conhecimento. Se algumas das pessoas, que por lá andavam, já conhecia, nasceram-me muitas amizades que preservo e admirações que cultivo com gente de outras áreas políticas. O Raul Ribeiro, o Rodrigo Trancoso, o Sérgio Rodrigues, o Miguel Gouveia, o Filipe Santos, o Afonso, a Marta Sofia, o Sancho Gomes, são alguns dos nomes com quem discordo politicamente, mas nutro admiração e amizade.
Deixei de fora, propositadamente um nome, o Duarte Gouveia. Se não fosse por ele certamente que existiria Iniciativa Liberal na Madeira, mas não seria com estas pessoas que hoje a constituem.
O Duarte não é, hoje, só um correligionário, é também um bom amigo. Daqueles que fazemos por merecer. Que me diz na cara o que pensa sem subterfúgios e com a crueza que preciso, às vezes, ouvir. Alguém que ouço sempre com toda a atenção.
Foi o Duarte que me contactou a dar conta de uma associação, que dava pelo nome de Iniciativa Liberal, que estava a recolher assinaturas para se transformar em partido. Pus-me em campo e consegui um contacto que levou a uma conversa com um dos fundadores, o Alexandre Krauss, que apadrinhou logo a minha entrada, daí ter estado na Convenção que fundou o partido. O Duarte foi mais calculista e cerebral (características intrínsecas da sua personalidade) e quis perceber quem era essa gente. Esteve presente num colóquio na véspera da reunião magna, onde também participou e brilhou a nossa Alícia Teixeira e, logo ali, tomaram a decisão de aderir ao projecto. Estava constituído o núcleo inicial do partido na Madeira.
Depois, houve uma série de peripécias que davam um livro, mas que não é o momento, nem o local, para desenvolver.
Tenho como uma das mais importantes características da política, a capacitação que esta tem de dar, a quem a pratica, a capacidade de debater e tentar convencer quem connosco não concorda. Todos somos projectos em constante crescimento. Desde que queiramos que assim seja.
O Duarte Gouveia é, provavelmente, a pessoa que mais conhecimento acumula em diversos assuntos que o interessam. Devora cursos online, da mesma maneira que leio livros. Tem mais de 500 realizados, não se limitando a ver e a ouvir, pois tira notas e produz ficheiros sobre cada um deles. É uma pessoa de uma cultura irrepreensível, um conversador agradável, um homem com ideias fora da caixa. Viajado, é um homem com mundo nos olhos.
O seu percurso político é a prova viva de um dos principais “slogans” da Iniciativa Liberal: “és liberal e não sabias”. Não renega o seu passado socialista, não o esconde com vergonha, pois não tem nada de que se envergonhar, ao contrário de muitos, que por aí se vêem, sempre prontos a saltitar de um lado para o outro, numa espécie de “quem dá mais”, tratando de esconder o passado, como fazem os gatos com os seus precisos.
Pelo que vai acima dito, magoa-me que tenha, muitas vezes, de levar com o comentário: “ah! mas era socialista”, como se isso fosse uma coisa que ficasse agarrada à pele, como se fosse uma espécie de peçonha que não o larga. Essa mania de andar de “liberalómetro” na mão a medir o liberalismo das pessoas é dos maiores defeitos que o nosso, ainda jovem, liberalismo tem. É uma espécie de deslumbramento sem sentido. Não conheço ninguém mais liberal do que o Duarte e também não penso que ele seja mais liberal que outro qualquer.
Mantendo as devidas distâncias, não foi Mário Vargas Llosa comunista castrista na sua juventude? Não foi Karl Popper uma eminente figura do partido comunista austríaco? Não lutou George Orwell ao lado dos trotskistas, na Guerra Civil de Espanha? Não foram, Camus e Koestler, comunistas? Revel, socialista? Não são estes alguns dos nomes maiores do pensamento liberal do século XX?
Mudar de ideias é uma prova de abertura pessoal ao que os outros têm para dizer e, como tal, prova de inteligência.
E é isso que irrita a mediocridade de outros que não são como eles. Que não conseguem absorver o que apreendem. Que esquecem, muito rapidamente, o que não lhes interessa, sobrepondo o interesse pessoal ao conhecimento. Gente presa para quem a liberdade é uma coisa de que ouviram falar.
O Duarte tem uma característica que me diverte imenso: a capacidade de irritar os socialistas laranja e os socialistas rosa. Estes últimos porque os conhece de ginjeira, os outros, os do poder, criticam-lhe o facto de ter sido socialista — como se também não o fossem — quando albergam no seu seio gente que andou por todo o lado. Do PCP ao PS, do CDS ao BE. Secretários Regionais que andaram por outras bandas, inclusivamente, na varanda da Câmara de Machico a realizar julgamentos populares a meia dúzia de jovens apanhados a pinchar paredes, exigindo sentenças indizíveis.
Eleger o Duarte será muito difícil, mas não participamos nas batalhas políticas para as perder. Continuamos esta maratona, mantendo passo certo e seguro. Crescendo na medida em que os eleitores nos queiram ver crescer.
Acreditem numa coisa: a Madeira nunca estaria tão bem representada no parlamento nacional. Não reconheço em nenhum dos outros candidatos as capacidades políticas, culturais e intelectuais que o meu bom amigo Duarte Gouveia tem. A ninguém.
4. Nunca tive o prazer de estar pessoalmente com Lourdes Castro. Ainda estou a digerir a sua partida. Fruía-lhe a obra. Impossível ficar indiferente à sombra, que é também parte do todo. Foi essa uma das grandes lições que nos deixou. Não sou especialista, mas tenho o meu gosto. Que descanse em paz, porque a obra fica. Sempre.
5. Comecei, no meu Facebook, a fazer uma espécie de Diário. Gostava de deixar aqui uma palavra sobre isso por dois motivos. A personagem que criei é ficcional, porque não sou só eu. Estão lá os meus eus, o que lhe dá um toque pequeno de autobiografia, mas a maior parte é ficção.
A outra palavra é de agradecimento para os que vão seguindo aquelas elucubrações meio disparatadas.