Crónicas

O bom, o mau e o conto de fadas

Aos primeiros dias de debates televisivos entre líderes partidários, não faltaram curiosidades. António Costa, ministro da justiça de Sócrates, declarou-se paladino do combate à corrupção. Rui Rio declarou-se católico mas não crente. Catarina Martins confessou-se crente do Papa Francisco mas não católica. Chicão citou Iran Costa para situar politicamente a Iniciativa Liberal. Jerónimo de Sousa procurou explicar o chumbo orçamental e adormeceu antes de conseguir a proeza. E ainda falta o confronto entre os partidos sem assento parlamentar. Em 2019, foram 15 a tentar debater em uníssono. Isto promete!

O bom: O Fim do Ano na Madeira

Descanse o leitor. Esta crónica não é sobre o fogo de artifício. Pelo menos, não é sobre a pirotecnia enquanto espetáculo que encerra um ano e convida ao que segue. Não é sobre paraquedistas, nem sequer sobre lasers ou drones que desenharam o céu. Sobre o fogo de fim do ano, por mais vibrante que seja, interessa a decisão que o permitiu. Primeiro, porque manter a festa não foi uma opção óbvia. Basta verificar que, em Portugal, a Madeira foi a única região que manteve o seu programa festivo para o final do ano inalterado. Segundo, porque foi uma decisão estratégica. Num mercado cada vez mais dinâmico e em que as reservas se fazem poucos dias antes da viagem, posicionar a Madeira como alternativa para o mercado nacional deu frutos inegáveis. Em número de dormidas, registou-se um aumento de 31% de turistas portugueses, por comparação a 2019, o último ano pré-pandemia. A estes números, importa juntar uma taxa de ocupação hoteleira que rondou os 90% e uma presença de navios que fez lembrar outros tempos. Mais do que o sucesso da festa, embora menos óbvio, releva para o destino o posicionamento que se alcançou e a imagem que se transmitiu. A Madeira é, especialmente depois do programa de fim do ano, um destino seguro e de confiança. Isso consegue-se não só com vacinas, testes e máscaras, mas também com coragem para permitir que o turismo e a economia continuem. Essa é a principal conclusão da decisão de manter o fim do ano. O turismo, e as atividades que dele dependem, não são inimigos da saúde pública.

O mau: A suspensão do subsídio de mobilidade

Em política, é costume julgar a dimensão dos erros pela pontaria de quem erra. Tiro ao lado, para os lapsos, falhas de memória e citações trocadas. Tiro no pé, para os erros de palmatória, e para as justificações ainda piores que a falha que as originou. Tiro nos dois pés, para as ideias que pareciam excelentes no papel, mas, na prática, revelaram-se um cemitério de carreiras políticas. Por fim, para casos especiais, temos o tiro no porta-aviões. Reservado para os erros que juntam um pecado mortal a um timing decisivo. Trata-se, portanto, de uma tempestade política perfeita. É disso que se tratou quando o governo do PS suspendeu o subsídio de mobilidade aos madeirenses em vésperas de eleições. Não que seja novidade. Apesar de aprovado há mais de dois anos, o novo subsídio de mobilidade, que permitiria aos residentes, entre outras coisas, viajar pagando apenas 86 euros, estava esquecido na gaveta de António Costa. Só isso merece registo e repúdio. Numa democracia europeia, em pleno século XXI, há um governo que bloqueia uma lei aprovada, por unanimidade, na Assembleia da República, repisada em vários orçamentos do Estado, apenas por capricho. A simples travestia de uma lei estar refém de uma portaria, seria razão para estarmos perante um tiro nos dois pés. Mas não. A decisão do governo de António Costa é um tiro no porta-aviões, porque revela requintes de desprezo. Não só pela mobilidade dos madeirenses, mas pela decisão das Assembleias. Pior, é um desprezo atrevido, sem pudor, de quem se deixou de preocupar com as aparências e, aparentemente, com o resultado eleitoral. Só assim se percebe que, em plena campanha eleitoral, para além do porta-aviões, com esta decisão António Costa tenha dado um tiro na candidatura do PS Madeira à Assembleia da República. E acertou em cheio.

O conto de fadas: O salário mínimo

Se há temas impossíveis na política portuguesa, o salário mínimo será, certamente, um deles. A impossibilidade resulta dos pressupostos da sua discussão. Vamos a um exemplo prático. Depois da arrematação com o PCP, que começou nos 850 euros e terminou sem acordo nos 755, António Costa prometeu um salário mínimo de 900 euros em 2026. É uma espécie de leilão de bondades entre os partidos de esquerda, a ver quem dá mais. Mas não será esse aumento uma medida importante para quem ganha o salário mínimo? Obviamente que sim. Não há quem, em consciência, possa considerar que a retribuição mínima seja justa ou sequer suficiente. Em Portugal, o salário mínimo continua a ser demasiado baixo. Até aí estamos todos de acordo. O problema está em tudo o resto. Porque é que temos uma economia incapaz de pagar um salário mínimo decente? Porque é que o salário mínimo se aproxima, cada vez mais, do valor do salário médio? Como é que se promete um aumento da retribuição mínima para 2026, sem antes consultar quem a vai pagar? Nada disto se discute. Da mesma forma que não se discute a sustentabilidade de um aumento de 40% do salário mínimo, entre 2015 e 2022, enquanto que, no mesmo período, a produção nacional cresceu 12% e a economia roça a estagnação. O debate nacional sobre o salário mínimo é uma discussão idílica, em que a economia não tem lugar à mesa. Até quando? Até ganharmos todos o mesmo?