Um postal de Boas Festas
O postal demonstra bem a veneração e o orgulho que as duas obras despertavam na população
No postal de boas festas que os oficiais do Correio do Funchal encomendaram a Vicente Gomes da Silva em 1877, recentemente publicado pelo Museu Vicente’s, constam, entre outras atracções da Madeira, as fotografias de dois nobres edifícios da Monarquia Constitucional: o Teatro Municipal (1877) e o Hospício da Princesa Dona Maria Amélia (1862). O postal demonstra bem a veneração e o orgulho que as duas obras despertavam na população. Não era razão para menos porque, ainda hoje, são dois dos mais belos edifícios da cidade.
Na 1.ª República, se pusermos de lado o ímpeto renovador do Plano de Ventura Terra (1913), nada de significativo foi erguido na capital do arquipélago. Já no Estado Novo, foram inúmeros os equipamentos públicos legados à cidade: o Mercado do Lavradores (1940), o Liceu Jaime Moniz (1946), o Sanatório Dr. João Almada (1940), a sede dos Correios (1942) – para citar apenas alguns – são obras a cuja qualidade arquitectónica e robustez se vem somar o perfeito encaixe no tecido urbano. Finalmente, no que diz respeito à Democracia, torna-se por vezes tarefa ingrata falar dos grandes edifícios públicos que levou a cabo. Não pela falta de qualidade das obras ou dos arquitectos que as projectaram, mas pelas desastradas opções de planeamento que as atiraram para a periferia inorgânica da capital.
Veja-se o caso das instalações da UMa na Penteada (1998), do Arquivo Regional da Madeira (2004) ou do Complexo de Piscinas Olímpicas (2004), todos semeados no vale da Ribeira de D. João – o primeiro claramente em zona de risco. Teriam merecido melhor sorte estes belos edifícios. Inevitavelmente bem localizados estão, por exemplo, a Gare Marítima do Funchal (2010) ou o Estádio dos Barreiros (2016). A sua confrangedora banalidade faz-nos, todavia, sentir saudades do que lá havia – ou não havia – antes. Há que louvar, contudo, os importantes investimentos feitos em operações de restauro e reabilitação de edifícios com valor patrimonial, que ficarão talvez para a história como principal legado do regime democrático e autonómico.
Mas poderá o Funchal do século XXI prescindir de uma proeminente obra pública construída de raiz, em lugar nobre da cidade, por um arquitecto com renome e visibilidade internacional? Um Museu dos Descobrimentos, uma Sala de Concertos, ou um Centro de Arte Moderna como o que Frank Gehry, em 2001, poderia ter projectado para o quarteirão da antiga Fábrica Hinton? Parecendo que não faz uma certa falta, quanto mais não seja para enfeitar os nossos postais de Boas Festas.