Ao Pedro
Não se pode dizer ou ter opinião sobre nada. Lê-se uma notícia, apetece fazer um comentário sobre tal e, desde que a coisa amasse os egos superlativos de uma superioridade bacoca, estamos feitos ao bife
1. Livro: “Metrópoles”, de Ben Wilson, é um grande livro. Uma viagem cronológica que nos leva de Uruk, há 6 mil anos, até às megametrópoles da actualidade. As cidades como a maior e mais importante criação da humanidade. As dificuldades, as soluções que ao longo da história se encontraram e nos trouxeram até aqui. Um livro obrigatório, para autarcas.
2. À hora em que entreguei esta crónica para publicação era impossível saber os resultados eleitorais. Como não tenho o dom da premonição, não vamos falar disso.
3. Não gostei nada desta campanha. Não elucidou, não debateu, não esclareceu. E não foi por falta de tentativa de alguns.
4. Na passada semana, mais precisamente, no domingo, perdemos o melhor de todos nós, os que escrevem opinião na imprensa regional. O Pedro Fontes tem uma clareza de análise e um modo de transpor para o papel o que pensa, que não está ao alcance de nenhum de nós. Na parte final do seu texto de despedida, faz umas advertências que me preocupam em todas as crónicas que escrevo. Tento o mais que posso não falar do partido que milito e de que fui fundador. Quando o faço, quase peço desculpa e, normalmente, é o modo que arranjo de tentar esclarecer mal entendidos, visto que a cobertura noticiosa que temos é pequena, porque somos pequenos. O Pedro tem toda a razão, quando despudoradamente refere, que muitos dos que escrevem opinião fazem-no tecendo loas aos partidos em que militam. Precisamos de vozes independentes que nos puxem pelos pés e nos abanem o deslumbramento que temos a tendência de deixar que nos envolva. De há cerca de um ano para cá, que as “opiniões” não passam de apelos ao voto, de elogios ao umbigo partidário, de maledicência sobre os adversários, por muitos transformados em inimigos. Isto não é opinião. É ruído. Esta última semana, então, tem sido demais. O meu é que é bom, nós somos mais autonomistas do que vocês, quem é que tem feito mais pela Madeira, um medir de pilinhas, típico de quem tem da política uma visão distorcida. Denotador de falta de cultura democrática e de quem não tem mais o que dizer do que o constante babar lugares-comuns e queixinhas, sem sentido. Arrogante? Não é difícil sê-lo, quando o panorama político regional é este. Facilmente se confunde arrogância com ter nível e não descer lá abaixo, evitando sujar os pés na lama, onde tantos gostam de chafurdar.
5. Por falta de espaço, na última crónica, só deixei breves advertências para o que se passa no leste da Europa, onde temos um “enemy at the gates”, que tratamos displicentemente e sem a determinação e força que se exige. Os russos continuam a deslocar tropas e meios para a fronteira da Ucrânia e não têm feito caso de nada do que o Ocidente diz, acenando com sanções e castigos, que não passam de ameaças de umas palmadinhas a uma criança mal comportada. A par das negociações, a NATO já devia ter reforçado o seu dispositivo de defesa, em todos os países que a constituem e que fazem fronteira com a Rússia. Seria uma forma de pressão e demonstração de posição, muito para além das sanções. E quem é que tem sido mais titubeante nestas decisões? Ao contrário do que poderíamos pensar, são os países da União Europeia. O ridículo do envio de capacetes para a Ucrânia, oferecidos pela Alemanha, é indescritível.
Ponhamos as coisas de modo simples: a Ucrânia, com todos os defeitos que pode ter o seu sistema, é uma democracia liberal. A Rússia não passa de um regime cleptocrático, chefiado por um tirano, apoiado em oligarcas que o bajulam e sustentam. O povo ucraniano é um povo livre, que vive num país onde há liberdade de opinião, partidos políticos do poder e da oposição. A Rússia não. É um país onde se reprime a oposição e onde se mata, ou tenta matar, quem se opõe ao déspota. Navalny, que o diga. Na Ucrânia o seu povo pode ir para a rua manifestar-se e protestar contra o que acha incorrecto. Na Rússia não. Os ucranianos já apearam do poder, na rua, dois governos corruptos onde não se reviam.
A democracia ucraniana não é perfeita, tem até inúmeros defeitos: a oligarquia que saiu do comunismo ainda tem muita influência no país, dominando vastos e importantes sectores da economia e da informação. A corrupção é grande e a burocracia um pesadelo. Mas as reformas vão sendo feitas, de modo a melhorar a qualidade democrática.
A possibilidade da invasão da Ucrânia, é real. Putin olha para a grande Eslavónia, uma federação de eslavos, que pensa que gostam de estados autocráticos. Tudo o que lhe cheire a democracia liberal à porta, preocupa-o. Foi assim na Bielorrússia, foi assim na Geórgia, acabou de ser assim no Casaquistão e terá de ser assim na Ucrânia.
Não há ameaça militar ucraniana à Rússia, o que dói ao ditador russo é o cheiro a democracia, o mau exemplo que tem à porta, o reformismo que atravessa o seu vizinho. Não se vão os russos lembrar de pedir o mesmo.
O momento não é tipo “crise dos mísseis cubanos”, mas pode, facilmente, descambar para um nível muito perigoso.
Vivemos um tempo de “poker” onde um lado andará muito perto do “all in”, mas não se atreverá a fazê-lo e o outro, ou percebe-lhe o “bluff” pressionando, ou arrisca-se a perder para uma mão com só um par de duques.
Agora, quem tem que pôr os trunfos todos em cima da mesa, é o Ocidente. Porque tem um “full house” na mão e a Alemanha não tem de hesitar, pois só mostra medo ao jogador adversário.
O que acontecer na Ucrânia, pode mudar a face da Europa. Para sempre.
6. Gosto de fábulas. Há muito, muito tempo, um ovo de águia foi abandonado. Uma galinha encontrou-o e levou-o para o galinheiro, chocando-o com orgulho. Era o maior dos ovos. A águia nasceu e foi crescendo, criada como se um frango fosse. Era só mais uma galinha. Tinha o andar balanceado de uma galinha, picava o chão como se fosse uma delas, fugia dos humanos, quando estes iam buscar os ovos ou levar a água e o que comer, e fazia força para ver se conseguia pôr ovos. Um dia levantou a cabeça e viu, lá no alto, uma águia a voar. Acompanhou o voo, imaginando como seria fantástico conseguir voar e subir até àquela altitude. O que poderia ver, a liberdade que teria. Depois, voltou a debicar o chão, não tendo consciência das grandes, desenvolvidas e inúteis asas que tinha.
7. Estou cansado de uns trapalhões (oh para mim a ser arrogante) que montaram um léxico que lhes é comum e que, usado a torto e a direito, se torna denunciador de um qualquer “manual” trapalhão de política mal-amanhada. Viu-se muito isso na campanha. Não se pode dizer ou ter opinião sobre nada. Lê-se uma notícia, apetece fazer um comentário sobre tal e, desde que a coisa amasse os egos superlativos de uma superioridade bacoca, estamos feitos ao bife. Basta um simples respingo de um espirro, para aparecer a manada a clamar por demagogia. Se mais incisivos quisermos ser, levamos logo com o epíteto de “demagogia populista”.
Há uma diferença abismal, entre o prometer e o propor. E, infelizmente, a maioria dos que andam na política, não descortina a diferença.
Demagogia, é prometer o que se sabe não poder sem cumprido. É manipular a verdade. Uma promessa, é um comprometimento com o cumprir. Uma proposta, estará sempre condicionada pela sua aprovação nos locais certos. Logo, demagogias, aqui, não moram. Poderão considerar as propostas inexequíveis, difíceis de concretizar, o que quiserem. Demagógicas, nunca o serão.
8. Não defendo, como Carl Schmitt, que a política é coisa para pôr de um lado “amigos” e do outro “inimigos”. Prefiro o conceito de adversário político, pois, por aqui, podemos chegar a consensos que nos façam avançar.
Mas atenção, não sou um tanso e sei ver, rapidamente, quando do outro lado o que se procura é a menorização e a desconsideração. Percebo, quando me olham como inimigo. E, aí, sê-lo-ei também, e dos terríveis. Quem me trata com paus leva com pedras.