Crónicas

Esta crónica tem COVID, sangue, sexo, suor e lágrimas

1. Disco: por ocasião da conclusão da recuperação dos tectos mudéjar da nossa magnífica Sé Catedral, foi apresentada uma peça musical do Pedro Macedo Camacho, que tem o sugestivo nome de “From the Dark, Symphonic Poem n.1”. Apreciador que sou do trabalho do Pedro, seria imperdoável que aqui não o referisse. E como não há música sem músicos os meus parabéns à imaculada interpretação da Orquestra Clássica da Madeira, superiormente conduzida pelo maestro Francisco Loreto. Está no YouTube um fantástico vídeo da Vinco Films com a peça. Façam-vos um favor e vão ver e ouvir.

2. Livro: acabei de ler há uns dias um livro que me fez imensa impressão. Dá pelo nome de “O Executor”, de Helmut Ortner. Sou um forte e incondicional defensor do estado de direito e dos direitos humanos. São duas marcas civilizacionais que temos que ter agarradas à pele. O autor estudou, aprofundada e criteriosamente, o modo de funcionamento da justiça na Alemanha nazi. Roland Freisler foi o presidente do Tribunal do Povo, uma instituição que condenou à morte, por diferença de opinião, centenas de milhares de alemães, e é à volta dele que o livro anda. Como foi possível que um sistema judicial inteiro se tenha rendido, sem quase dar luta, a que preceitos como a justiça, a lei e os direitos individuais, tenham sido, pura e simplesmente, postos de lado? É a grande interrogação que fica sem resposta.

3. Era bom que todos nos convencêssemos de uma coisa, sem medos, sem constrangimentos: vamos todos ser infectados pelo SARS-CoV-2 seja num futuro próximo ou mais distante, e provavelmente mais de uma vez na vida. Eu já o fui e muito provavelmente muitos dos que lêem isto também e, porque assintomáticos, nem fazem ideia de que o foram.

Podemos usar todos os truques que quisermos, máscaras, fatos, isolamentos, armaduras, que já chegámos a um ponto de não retorno, o máximo que podemos conseguir é atrasar o inevitável.

Tenhamos presente que a protecção da vacina contra a infecção não nos dá imunidade, protege-nos de sintomas graves, hospitalização e reduz significativamente o risco de morte (cerca de 20x). E nisto, e ao que indicam os estudos preliminares, inclui-se o Ómicron: maior disseminação, menor risco para quem está vacinado e é saudável.

Esta mania que alguns têm de andar constantemente a culpar alguém, a procurar culpados, a querer que os outros façam o que muitas vezes não fazemos, tem que acabar. É um vírus, uma porcaria que nem viva é, que tem uma capacidade de adaptação brutal. Ninguém tem culpa. A culpa é do vírus.

Teremos de aprender a viver com ele. Porque não se vai embora. Pode enfraquecer — parece ser o que se passa com a variante Ómicron — mas vai ser uma doença sazonal com que teremos que lidar. Não quero assustar ninguém, mas fazem ideia de a quantos vírus respiratórios estamos constantemente expostos? Cerca de 200: influenza, bronquiolite, pneumovirus, vários rinovirus, VSR, outros coronavirus, adenovirus, bocavirus, enterovirus, etc.

Temos uma excelente taxa de vacinação e surgem os primeiros medicamentos que permitem o tratamento da doença de modo efectivo.

E depois o medo, o culto do medo que até manual tem na DGS. Mostrar diariamente o número total de casos positivos detectados, numa altura em que testamos em massa, como se todos esses casos fossem equivalentes a doentes, quando a esmagadora maioria são assintomáticos, visa assustar as pessoas.

Não sou especialista, nem quero que vejam o que escrevo como uma certeza, pois as minhas dúvidas e o meu desconhecimento são muito grandes. Permitam-me a veleidade de pensar que tem uma boa dose de bom senso. Procuro andar informado, mas não passo de um leigo.

Quem sou eu para dar palpites. Mas tenho tanto direito de o fazer como outros que, com muito mais responsabilidade do que eu, nos foram impingindo medo, culpando, chantageando e impondo medidas apoiadas em nada ou em muito pouco.

O problema não é só a pandemia, temos um enorme problema de saúde mental associada ao medo que muitos cultivaram, que induz a depressão, fobias, etc., e cada um de nós lida com estas coisas à sua maneira.

É tempo de cada um, escolhendo o seu ritmo, começar a procurar a sua normalidade. Uns chegaremos lá mais depressa e outros demorarão mais tempo. Mas é um percurso que temos de fazer e de preferência todos juntos.

Sim, sei que arrisco ser mal-entendido. Que fique claro que não penso que a normalidade está ali, ao virar da esquina. É um caminho, como escrevi acima, que temos que começar a fazer.

É óbvio que a doença existe e que, para quem tem comorbilidades e os mais velhos, continua a ser perigosa. Temos que continuar a controlar os números de casos nos próximos meses (internamentos, UCI, mortes), manter algumas medidas pró-activas e antecipar outras, que sejam reactivas sempre que forem necessárias, de modo a garantir a transição para a endemicidade que atingiremos mais tarde ou mais cedo. E isso não se determina por decreto.

Todas as medidas de mitigação atingem as pessoas diferentemente. O mesmo se passa com o seu levantamento. É um factor que foi pouco tido em conta no passado, mas que tem agora de ser cuidado e considerado. Não somos todos iguais.

Com bom senso temos que decidir com o cuidado, a informação e a atenção que o assunto merece.

4. Há limites que comigo não admito que sejam ultrapassados. Na semana passada o Sr. Secretário da Saúde do Sr. Governo disse: “As crianças têm que estar vacinadas antes das aulas começarem”, com estas palavras mete na gaveta a decência e dá a entender que criança não vacinada não pode frequentar a escola. É mentira.

A decisão de vacinar as crianças, que caso o Sr. Secretário não saiba são menores, é dos pais. O Sr. Secretário não manda nos nossos filhos, nem lhe compete decidir por nós o que é melhor para eles. Não somos pessoas com incapacidade de decisão. Não somos irresponsáveis. São muitos e dispares as opiniões abalizadas sobre a vacinação das crianças entre os 5 e os 11 anos. A opinião do pediatra da minha filha é que se aguarde por isso mesmo, pela falta de certezas. Onde é que está a evidência científica que sustenta o mandamento do Sr. Secretário? Foi uma aparição? É mais um achismo?

Não há lei neste país, nem nesta região, que obrigue seja lá quem for a ser vacinado. Os madeirenses são pessoas maduras e responsáveis e não admitem ser destratados desta maneira por quem começa a revelar tiques ditatoriais.

A decisão é dos pais, não é sua, Sr. Secretário.

5. AJJ escreveu no Twitter: “CDS tem razão: Primeiro-Ministro quer resumir Portugal à COVID e ao medo”.

Se consegue ver bem para o longe, com a ajuda do CDS, anda com falta de vista, para ver ao perto como o Governo Regional resumiu a Madeira ao COVID, ao medo e à chantagem. Não ouviu certamente a conferência de imprensa e as declarações de Pedro Ramos na semana passada.

6. E entretanto, já levei o meu reforço.

7. A partir do dia 1 de Janeiro os países abaixo iniciam o seu mandato no Conselho dos Direitos Humanos da ONU: Paquistão, Mauritânia, Qatar, Somália, Rússia, Líbia, Cuba, Eritreia, Venezuela, China. Que bem entregues estamos.

8. As minhas desculpas pelo título da crónica. Foi só um clickbait para vos induzir a curiosidade de ler o que escrevi.

9. “Optimista: é alguém que acha que dar um passo para trás, depois de dar um passo em frente não é um desastre, é um cha-cha-cha” - Robert Brault