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A ciência volta a salvar a humanidade

O Tempo da Ciência:Nos anos 90 Katalin Karikó, uma cientista húngara a trabalhar nos EUA, viu rejeitadas as suas propostas a financiamento para desenvolver estudos imunológicos sobre o RNA mensageiro (mRNA), levando a Universidade da Pensilvânia a inviabilizar a sua nomeação definitiva como Docente.

Em 2013, a empresa BioNTech contratou Karikó para desenvolver terapêuticas com recurso ao mRNA, tendo publicado 150 artigos científicos sobre o tema nos últimos 8 anos, sem recurso a fundos públicos. O trabalho em mRNA capacitou a empresa para o desenvolvimento de soluções ‘in-vitro’, através de computador, sem acesso a material biológico, e assim que a China tornou pública a primeira sequência genética do vírus SARS-CoV-2, o consórcio Pfizer - BioNTech, a Moderna e a Johnson & Johnson, deram início aos trabalhos que iriam compor as primeiras vacinas.

A aplicação de mRNA representativo do vírus nas células do sistema imunitário, mostrou ser uma solução com menos riscos, mais versátil e mais rápida de fabricar, do que as vacinas convencionais. Quarenta e dois dias após a publicação do código genético do vírus, uma vacina experimental com tecnologia mRNA foi enviada para os primeiros ensaios clínicos. Foram necessários 30 anos e uma condição pandémica, para que a investigação em mRNA, protagonizada por Katalin Karikó, passasse a ser reconhecida como socialmente ‘útil’.

O Reconhecimento:

Em tempo de Pandemia os governos constituíram grupos de cientistas para os assessorar na tomada de decisão. A exposição da Ciência ao Mundo revelou as suas várias facetas. O pensamento (auto)crítico e o confronto de opinião geram muitas interrogações. No entanto, o conhecimento ‘parcial’ sobre determinadas matérias pode servir para tomar as primeiras decisões, que podem ser alteradas com o aporte de nova informação. A ciência não surte efeitos imediatos. É necessário um investimento cumulativo e persistente, para que a seu tempo, contribua para o avanço económico e social das Nações. Graças ao investimento em mRNA desde os anos 90, temos hoje capacidade para fabricar as primeiras vacinas em tempo recorde. O conhecimento científico dificilmente se desenvolve de forma ordenada e por vezes encontramos novas aplicações onde menos esperávamos. A aposta no mRNA por parte da BioNTech foi originalmente pensada para desenvolver a imunoterapia contra o cancro e não para a produção de vacinas. Mais uma vez, o pensamento disruptivo e a interdisciplinaridade foram ingredientes essenciais para estimular o avanço da Ciência e da Tecnologia.

Outro aspeto importante a considerar é que a validação do conhecimento científico (ainda) continua a ser feita através de artigos validados pelos pares. A aposta da BioNTech na publicação de artigos escritos em inglês, viabilizou o acesso à informação por parte de outras equipas de cientistas no estudo do mRNA, acrescentando mais conhecimento e ajudando a consubstanciar as descobertas iniciais.

Em 2005 Derrick Rossi, cientista influente da Universidade de Harvard e um dos fundadores da empresa ‘Moderna’, ao ler os trabalhos originais de Karitó (e colegas) reconheceu o seu pioneirismo anunciando que estes deveriam ser elegíveis para o prémio Nobel da Química.

Não foi a primeira vez que um evento de grande relevância para a sobrevivência da humanidade foi mitigado com recurso ao conhecimento desenvolvido pelas Ciências ditas fundamentais. Louis Pasteur passou grande parte da sua carreira a usar o conhecimento científico em microbiologia para resolver problemas de saúde pública, como foi o caso da esterilização dos instrumentos clínicos, das vacinas como meios de prevenção das doenças e da fermentação usada na pasteurização do leite e do vinho, evitando assim a contaminação por bactérias nocivas.

A abordagem de Pasteur inspirou o trabalho de Donald Stokes, que definiu uma nova dimensão para as políticas de Ciência e Tecnologia dos EUA. A caracterização unidimensional das políticas científicas, tal como figura no “Manual de Frascati” da OCDE é no mínimo redutora; ora são designadas como “fundamentais”, quando se focam na geração de conhecimento e no seu registo através de artigos científicos; ou são consideradas “aplicadas”, quando geram patentes ou soluções imediatas, assumidas como tendo uma maior relevância para a economia e para a sociedade. O futuro exige o desenvolvimento de estratégias mais abrangentes a que Stokes designou como ‘Conhecimento inspirado nas necessidades’, - o “Quadrante de Pasteur”, um pouco na senda do velho ditado: ‘a necessidade aguça o engenho’.

É com um pensamento multidimensional e interdisciplinar que a ARDITI - Agência Regional para o Desenvolvimento da Investigação, Tecnologia e Inovação da Madeira, pretende implementar soluções que estimulem o desenvolvimento, em linha com as prioridades regionais, e sem descorar as políticas nacionais e europeias, independentemente de que estas soluções advenham do conhecimento ‘aplicado’ ou ‘fundamental’.

Porque a história se repete, resta saber como se configurará o próximo Programa Quadro de financiamento para a Investigação, Desenvolvimento e Inovação para a R.A.M: teremos a capacidade de definir uma estratégia à medida da nossa realidade insular ou seremos (novamente) empurrados para as políticas europeias impostas pelas agendas continentais?