Rastreamento de casos em Pequim expõe desigualdade social
A campanha para rastrear um surto de covid-19 em Pequim expôs a extrema desigualdade económica na China, atraindo atenção nas redes sociais do país.
Em 15 de janeiro, as autoridades de saúde da capital chinesa divulgaram, em pormenor, a rotina recente de uma paciente com covid-19, visando alertar para os locais onde ela esteve e potenciais contactos indiretos.
A sua rotina é um retrato do estilo de vida da classe média abastada da cidade: fazer esqui numa estância nos subúrbios ao fim de semana, compras em lojas de marcas de luxo como a Christian Dior e Lane Crawford e refeições em restaurantes conhecidos.
No mesmo período, as autoridades de saúde relataram as atividades de outro paciente de covid, um trabalhador migrante, cujos registos revelam um cenário totalmente diferente.
Yue Zongxian, de 44 anos, teve cerca de 30 serviços diferentes, em regime independente, sobretudo nas primeiras horas da manhã, ao longo de duas semanas, transportando sacos de cimento e resíduos de construção pelos vastos distritos da cidade.
O contraste chamou a atenção dos internautas chineses. Alguns colocaram os itinerários lado a lado, para retratar dois estilos de vida opostos na mesma cidade.
Yue testou positivo para a covid-19 quando tentava regressar à sua cidade natal, a cidade portuária de Weihai.
Em muitos aspetos, a sua experiência é típica da vida dos trabalhadores migrantes: veio para Pequim, no final do ano passado, à procura do filho, desaparecido desde agosto de 2020.
"O [pagamento para transportar] um saco de cimento ou areia é de um yuan (14 cêntimos de euro) se não subir as escadas", disse Yue, citado pela publicação estatal China Newsweek.
"Subindo as escadas, o pagamento aumenta para três yuans (42 cêntimos de euro), para o terceiro andar, e quatro yuans (56 cêntimos de euro), para o quarto andar", explicou.
As referências ao caso de Yue acumularam quase 100 milhões de visualizações na rede social chinesa Weibo.
Décadas de vertiginoso crescimento económico produziram níveis históricos de riqueza na China, mas também de extrema desigualdade.
A mobilidade social que ajudou a tirar milhões de pessoas da pobreza começou também a abrandar no país, aumentando a preocupação de que muitas famílias possam ficar presas na pobreza por várias gerações.
A resposta do Presidente chinês, Xi Jinping, foi lançar a campanha de "prosperidade comum", que visa distribuir os frutos do crescimento da economia do país de forma mais uniforme.
Grande parte do dinheiro que Yue ganhou em Pequim foi enviado para a sua esposa e filho mais novo e para os seus pais doentes, segundo contou, citado pela imprensa local.
Em comunicado, a polícia de Weihai informou que as autoridades locais encontraram um cadáver numa lagoa local, que testes de DNA identificaram como sendo o filho mais velho de Yue.
Yue disse que a polícia local lhe mostrou um corpo, mas que o seu rosto era redondo e inchado, e que o seu filho sempre foi magro.
O homem contou que nunca teve acesso ao relatório de DNA e que, por isso, foi à procura do filho.
Yue afirmou não sentir pena de si próprio ou que tenha tido azar na vida.
"Nesta sociedade, se és fisicamente apto, deves trabalhar duro e cuidar da tua família", comentou.