Dinheiro, Eleições e Poder
O mês de janeiro é sempre aquele mês em que normalmente temos pouco dinheiro no bolso devido aos excessos do Natal. Este ano, como estamos em período de campanha eleitoral, todos nos lembram disso. Uns prometem dar mais dinheiro ao fim do mês através da alteração dos escalões do IRS, outros inclusivamente pretendem acabar com os escalões e criar uma taxa única, e há outros embora menos populares, mas que na minha opinião são mais coerentes, que pretendem primeiro colocar as empresas a gerar riqueza para então fazer as correções correspondentes.
Vamos aos factos. Durante a crise pandémica o rendimento das famílias portuguesas caiu apenas €2 mil milhões, ou seja, uma queda 4 vezes inferior face à registada durante a crise financeira e soberana. Contudo, do lado do consumo, a queda foi 1,3 vezes superior na pandemia, arrastando o consumo para os níveis de 2017! O gap entre rendimento e consumo permitiu um aumento da poupança bruta 3,2 vezes superior à observada na crise financeira. Esta poupança forçada terá representado cerca de 70% do total da poupança total. É expectável que agora em 2022, o consumo recupere os níveis de 2019, fruto de uma ligeira diminuição da poupança.
O consumo privado caiu 6,7%, em 2020, com o consumo de residentes a recuar 1,2% (95% do total) e de não residentes a cair 52,8% (5% do total), sendo este o reflexo do impacto da pandemia no turismo. O impacto da pandemia colocou o consumo total ao nível de 2017, com o consumo de não residentes a recuar para o nível de 2012. Pelo que nos é dado verificar, o consumo dos não residentes parece estar já a recuperar em linha com a recuperação gradual do turismo.
Na crise pandémica, a perda de rendimento foi mitigada pelas medidas de apoio ao emprego (layoff simplificado), e os gastos com a habitação registaram a maior redução, fruto das moratórias e suspensão dos pagamentos dos empréstimos. O fim do layoff, das moratórias, e a recente subida da inflação conjugada com o consequente aumento das taxas de juro de referência, colocam sérias dúvidas no futuro de muitas famílias portuguesas. No período de recuperação da crise financeira, verificou-se um aumento do consumo dos bens necessários e supérfluos resultado da retoma do rendimento das famílias, enquanto no período pós-pandemia, é espectável que esse aumento seja feito em gastos com a habitação (pela reversão das moratórias e aumento dos juros dos empréstimos) e alimentação.
Os depósitos das famílias portuguesas têm mantido uma tendência crescente desde o despoletar da crise financeira, com um acréscimo de cerca €17 mil milhões, dos quais mais de €15 mil milhões sob a forma de depósitos a prazo. Mas estes depósitos atingiram uma remuneração histórica mínima de 0,04%. Por outro lado, os empréstimos habitação continuam a aumentar a bom ritmo, sendo que a taxa de juro associada apresenta também uma tendência crescente deste o início de 2021.
Este cenário antevê um ano de 2022 com perdas significativas de rendimento disponível das famílias, que as vai obrigar a alterar o seu padrão de consumo para um cabaz de bens essenciais em detrimento de bens não essenciais. Em novembro, a inflação anual da zona euro atingiu 4,9%, a taxa mais elevada desde 1997, e o BCE prevê que os preços continuem a aumentar em média de 3,2% em 2022 e 1,8% em 2023, o que significa que o BCE irá subir as taxas de juro de referência, afetando o rendimento disponível das famílas. Isto só ainda não aconteceu porque o BCE está a ser cauteloso e a compensar o fim do envelope de incentivos criado especificamente para a pandemia.
Entretanto a campanha eleitoral sem sentido, pois continua centrada em medidas e num orçamento de estado que não foi aprovado e que perdeu qualquer significado porque a realidade mudou drasticamente. A inflação é agora uma certeza, os preços dos combustíveis não param de subir, existe uma nova ameaça a nível mundial com a invasão da Rússia na Ucrânia e a intensidade da resposta da NATO. Tudo isto faz questionar se aquele ornamento de estado tão orgulhosamente empenhado pelo candidato do Partido Socialista, continua a fazer algum sentido... Ninguém discute política externa, ninguém discute o envelhecimento da população portuguesa nem o esfumar da classe média que sustenta o estado. Estão todos mais preocupados com a pan(en)demia e a fazer piadas com os gatos Camões e Zé Albino, com a Coelha Acácia e com a cadela Bala. Assim se faz política em Portugal.