A escrita da História
Diziam os romanos que “é curto o caminho entre o Capitólio e a rocha Tarpeia”
Dizem os entendidos que escrever História pressupõe distanciamento – no tempo, no sentimento, nas afinidades. Isto partindo do princípio que a História é uma Ciência, e não um romance, um poema ou qualquer outra forma de criação artística, em que os factos passam para segundo plano, face à criatividade, à emoção ou ao sentimento. Relembrando um Primeiro-Ministro britânico, então apenas jornalista, “não vou perder uma boa estória só porque não é verdade”.
A nossa última Guerra não tem nome oficial. Guerra Colonial, Guerra do Ultramar ou Guerra de África entrechocam-se em obras ou declarações diversas, o que poderia até levar um estrangeiro a pensar que se trata de guerras diferentes.
O que nos deve levar a pensar que nome dar ao atual esforço nacional. Guerra do COVID, Guerra do Vírus, Guerra das Vacinas?
Uma coisa é certa: esta Guerra já tem heróis, como cumpre. Uns (esmagadora maioria) anónimos, outros (escassa minoria) mediáticos.
Decerto é cedo para escrever a sua História; o que se publica durante um conflito tem mais a ver com propaganda do que com História. Citando outro britânico, Winston Churchill, “nunca se mente tanto como antes das eleições, durante a guerra e depois da caça” (ou da pesca, dirão os entendidos). Mas talvez se possa escrever sobre algumas escaramuças, com distanciamento, para memória futura.
Entre as esparsas brumas da recente memória, destacou-se uma figura que, para o cidadão comum, ficou registada como o “Almirante das Vacinas”. Figura simpática, carismática, até algo imponente, do alto da sua estatura e do colorido do seu camuflado.
Porém, quando tudo se encaminhava para um público e consensual reconhecimento, eis algo se desmoronou.
Diziam os romanos que “é curto o caminho entre o Capitólio e a rocha Tarpeia”, ou seja, entre o centro do poder político e o abismo para onde eram atirados os caídos em desgraça. Mais prosaicamente, em lhana linguagem, dizemos que é fácil passar de bestial a besta.
E tudo porquê? Porque alguém perguntou se teria ele na ideia ser Presidente da República.
Sacrilégio!
Das muitas intervenções vindas a lume, entre prós e contras, destaco uma pequena frase de um dos mais consagrados comentadores e fazedores de opinião: isto de fardas não liga bem com a democracia (“d” minúsculo premeditado).
Se alguém tinha dúvidas sobre se os militares são cidadãos diminuídos, fica esclarecida a questão.
Afirmação feita com o devido distanciamento, uma vez que já nem se fala do assunto, estando ultrapassadas portanto a criatividade, a emoção e o sentimento.
Apesar do interregno do Estado Novo, o Palácio de S. Bento constitui a referência de dois séculos de Democracia neste País. E, no hemiciclo das Cortes, agora Assembleia da República, muitos erguerão os olhos aos céus para comungar de tal simbolismo.
E o que verão? Cerca de um sexto dos fundadores da Democracia ali retratados estão fardados!
Tomem-se providências!