Análise

Políticos em dificuldade no palco da credibilidade

As eleições começam hoje por muito que os acomodados não queiram

A campanha tem tido o condão de acentuar o perigoso abismo entre as palavras e os actos de quem alinha no jogo político, muitas vezes descurando regras, denegrindo adversários e insultando a inteligência dos eleitores. Não admira por isso que o exercício expectável de clarificação de posições sobre programas e propósitos tenha gerado mais inquietações do que certezas, mais indecisos do que gente com ideias definidas sobre as opções a tomar, mais comentários do que convicções.

Nem a troca de acusações reforça as diferenças. Num contexto em que “ninguém tem água com que se lave” e em que quase todos capricham em anunciar coisas a roçar o incrível para depois fazer exactamente o seu contrário sobra a sensação que estaremos perante gente da mesma estirpe, realidade abominável que infelizmente alimenta os extremismos e gera preocupação acrescida. A uma semana das eleições há quem tenha a mala pronta para deixar Portugal.

Por muito que alguns agitem o lençol da corrupção, em todas as famílias políticas há gente a contas com a justiça. Uma realidade que na Madeira envolve protagonistas de topo em diversas frentes.

Por muito que outros se mostrem liberais corajosos em fazer coisas novas, no seu seio habitam posturas retrógradas que contrariam a suposta ideologia.

Por muito que todos os partidos e alguns aspirantes desejam ter tempo de antena sem interferências, nem interpretação, são poucos os que o fazem com eloquência. Nem sempre é fácil obtê-lo, mas em plena campanha, há fartura de espaço. São 706 minutos para gastar. Tanto que nem todos conseguem preenchê-lo, seja na rádio, como na televisão. Leu bem. Há quem desperdice uns minutos de fama por não saber o que dizer. Se assim é com a propaganda o que não será com as exigentes regulamentações, com os necessários diplomas e com os inevitáveis decretos? Quem não é capaz de ser grande nas pequenas coisas, dificilmente surpreenderá nos momentos que todos esperam virtuosismo.

Por muito que se apregoem alternativas importa fundamentar. Retenho o que escreveu o jornalista madeirense Filipe Santos Costa na CNN a propósito da prestação de Élvio Sousa no debate televisivo nacional: “O representante do JPP explicou sem se rir que quer, em simultâneo, reduzir a carga fiscal e reduzir a dívida pública. Garante que é possível em dois meses fazer cair a dívida de 135% do PIB para 50% do PIB. Acha que isto é possível. “Naturalmente que sim.” Infelizmente não explicou como - se o tivesse feito, até podia não ser eleito para a Assembleia da República, mas ganharia de certeza o Nobel da Economia. “Naturalmente”, a energia foi abaixo enquanto Élvio Sousa explanava este pensamento”.

Por muito que todos queiram combater a praga abstencionista, na prática quase ninguém se esforça por simplificar o que hoje está transformado num obstáculo à maior participação dos cidadãos. Lemos no ‘Expresso’ que o parecer pedido pelo Governo a propósito do voto dos eleitores em confinamento sugere aos partidos uma mudança da lei eleitoral, para permitir aos cidadãos que votem por carta ou de forma electrónica. PS e PSD admitem discutir, mas imaginem, mostram muitas reservas. Dá-lhes jeito que tudo continue igual.

Por muito que haja vontade em combater o situacionismo, a fraca procura pelo voto antecipado em mobilidade é um mau prenúncio. Na Madeira são pouco mais de 3 mil. Eu vou votar hoje porque quero provar aos decisores anacrónicos deste País que posso fazer as escolhas que bem entender, sem precisar de dia de reflexão e que a campanha se cale. Só espero não me cruzar com os senhores do pavor digital e do défice de planeamento, ou que me façam esperar mais do que é normal.

Por muito que alguns nos façam rir, não basta ter tamanha lata. António Costa assume não estar convicto que um político afirme a sua credibilidade com graçolas. Está enganado. Em Portugal, em Itália e no Brasil já houve eleitos que levaram a democracia na brincadeira, conquistando votos impensáveis que derivam da cruel constatação que, numa sociedade que bate no fundo em várias dimensões, qualquer solução é válida, pois “pior do que está não fica”.

Os eleitores também achavam que a competência dos que se submetem a sufrágio também dependeria mais das ideias exequíveis do que dos números de circo, mais da seriedade posta ao serviço da justiça do que o sentido de humor dos candidatos, mais dos propósitos de resolução dos problemas do País do que dos tiques apalhaçados dos tribunos. Mas um dia cansaram-se do vazio ideológico, do cinzentismo discursivo e do clientelismo instalado e experimentaram projectos exóticos, extremismos perigosos e a banalização do sistema. Deu para o torto, para a ridicularização da classe, para os ‘faits divers’ e ‘soundbytes’ e para a fragmentação explosiva, com efeitos ao retardador que esperemos possam ser eliminados já nas eleições em curso.