O mundo parou
Ao meu neto, que deve nascer em Abril, será muito difícil explicar estes quase dois anos que temos vivido
O meu neto Lourenço, que tem dez anos, irá lembrar-se, durante toda a sua vida, dos tempos conturbados em que temos vivido desde os finais de 2019.
O ambiente distópico, em que tem vivido o mundo, deixará marcas profundas.
Apesar de alguns avisos de cientistas, políticos, analistas, a pandemia surgiu como um “cisne negro” na definição de Nassim Taleb — momento de crise ou evento raro de grande impacto na economia nacional ou global, bem como na sociedade como um todo.
O vírus identificado (criado? Aparecido espontaneamente?) em Wuhan, China, causou a primeira verdadeira pandemia (do grego “pandemias” — “todo o povo”) que a humanidade conheceu, embora o termo tenha sido utilizado em outras ocasiões.
A diferença fundamental, reside na facilidade de movimentos e de comunicação que hoje possuímos.
Covid 19, a doença que o vírus provoca, fez parar o mundo, como corolário da aldeia global em que se tornou o planeta.
Os governos e as autoridades de saúde reagiram, inicialmente, negando a evidência: “É um vírus Chinês que não vai chegar cá!”; “Pode chegar cá, mas estamos preparados”.
Perante a realidade que se apresentou, as autoridades reagiram, um pouco atabalhoadamente, tendo de assumir posições e tomar decisões, não devidamente suportadas por evidência científica (que, ainda hoje, não existe plenamente…).
As decisões e ordens sucederam-se, não raras vezes, contradizendo-se, em curtos intervalos de tempo: “Não vale a pena usar máscaras”; “É conveniente usar máscara em ambientes fechados”; “É obrigatório o uso de máscara cirúrgica em todo o lado!”.
Fechámos o comércio, deixando de fora actividades essenciais. Foi necessário reforço, imediato, de luvas, máscaras, álcool-gel, batas, fatos de integrais, viseiras, toucas, protecção de sapatos…que se esgotavam rapidamente. Assistiu-se à reconversão de alguma indústria, para responder às necessidades. Camas hospitalares, aparelhos de respiração assistida, ventiladores, equipamento médico diverso.
Esgotou, até, o papel higiénico, pelo açambarcamento que se seguiu ao medo instalado.
O desconhecimento e o medo preventivo instilado pelos governantes nas populações, espoletou reacções, apaixonadas, pró e contra.
Encerram-se portos, aeroportos, fronteiras, colocaram-se aldeias, cidades, regiões em quarentena. Cercas sanitárias. Foi proibido circular, a partir de determinada hora. Foi proibido mudar de concelho, em determinados dias.
Ansiava-se por medicação, uma vacina…chegaram as vacinas, em tempo recorde. Aumentaram, exponencialmente, as teorias da conspiração que ecoaram nas redes sociais. “Querem controlar as pessoas com microchips!”.
“A vacina é obrigatória”; “A vacina não pode ser obrigatória porque a Constituição…”; “A vacina protege quem a recebe e a sociedade em geral”; “A vacina não impede de ser infectado”; “A vacina evita a doença grave”; “Há doentes vacinados a morrerem”; “As crianças não devem ser vacinadas porque não apanham o vírus ou são assintomáticas”; “É necessário vacinar todos os jovens dos 12 aos 17 anos”.
Fecharam-se Universidades, escolas, creches. “É preciso vacinar as crianças dos 5 aos 11 anos”.
E a pandemia progride. Aparecem variantes. A Delta é mais agressiva. As urgências dos hospitais deixam de ter capacidade de resposta. Teme-se que não haja camas suficientes nos cuidados intensivos. A solidão e o desespero instalam-se. Há quem alugue cães para poder sair à rua.
É necessário testar toda a gente. O número de testes positivos aumenta, exponencialmente, com a progressiva abertura necessária para evitar o completo colapso da economia.
Aparece a variante Ómicron. Mais transmissível, mas com menor patogenicidade e muito menor mortalidade. Acredita-se, com esperança, que possa ser o princípio do fim da pandemia.
Ao meu neto que deve nascer em Abril, será muito difícil explicar estes quase dois anos que temos vivido. Como foi difícil explicar, à minha geração, as Guerras Mundiais ou a Peste Negra ou, à geração dos meus filhos, a Grande Depressão de 1929 ou o 25 de Abril.
De tudo o que acontece devemos retirar ensinamentos. Esperemos que, para as inevitáveis pandemias que se sigam, estejamos mais atentos e preparados.