Os domingos comuns
Em casa havia o almoço, a casa para acabar de arrumar no único dia em que a minha mãe não bordava e o meu pai dormia no sofá da sala ou nas cadeiras do quintal com o rádio ligado no relato
Ir à missa não era o melhor programa para um domingo de manhã, mas eu tinha 14 anos e, como a minha mãe gostava de repetir, o meu querer contava pouco. A regra da casa dizia que os domingos eram santos e os dias santos vinham com missa. Eu podia escolher ir de véspera ou levantar-me cedo, mas não podia faltar, nem declarar que a fé me fugia e estava fora de moda.
Às segundas, no intervalo, enquanto os rapazes jogavam à bola no campo dos Ilhéus, as conversas rodavam sobre os almoços no restaurante, o café a meio da tarde e os passeios de carro e todos os momentos em que se tinham cruzado com rapazes bonitos, que até lhes tinham sorrido. Se iam à missa, era na Sé ou na igreja do Colégio e não me parecia que lhes interessasse saber da Visitação.
A adolescência não me estava a correr bem. Era gordinha, chegava de autocarro, tinha aquelas roupas estranhas feitas à pressa na máquina de costura Singer e parecia-me arriscado trazer o Laranjal para o meio daquelas conversas, com as miúdas da cidade, todas com sobrenomes sonantes e vestidas nas lojas caras e de sapatilhas importadas de Canárias. Os meus sapatos levavam sempre meias solas para durar mais uns seis meses.
Não lhes interessava saber que, todos os domingos, eu subia o beco que ia dar à igreja para ir à missa e ficar à conversa depois, no adro, com a malta do grupo de jovens. E que, mesmo sem saber, cantava no coro e não faltava às reflexões, conversas e actividades do grupo. Não que fosse devota, mas tinha 14 anos e as coisas da igreja eram as únicas a que a minha mãe me deixava ir sem levantar problemas. Eu gostava de estar ali, ouvir o que diziam, dar opiniões, rir de umas anedotas antes de descer o beco e voltar a casa.
Em casa havia o almoço, a casa para acabar de arrumar no único dia em que a minha mãe não bordava e o meu pai dormia no sofá da sala ou nas cadeiras do quintal com o rádio ligado no relato. Nos domingos bons, soalheiros, a minha mãe vestia uma roupa melhor e passava a tarde com as minhas tias; o meu pai ia jogar cassino com os homens da vizinhança na garagem do meu tio Humberto, numa mesa de improviso e sentados em cima das caixas de cerveja e de laranjada.
Eu ficava a ver os filmes da sessão da tarde com o meu irmão, os documentários que davam a seguir ou ia ler os livros que me emprestavam, para os poder entregar na segunda-feira. Lembro-me que, quando voltava a casa à hora do jantar, tinha aquela impressão de que todas as outras raparigas de 14 anos estavam a ter experiências mais empolgantes e que eu não tinha nada para a troca. Quem queria saber da ninhada de coelhos ou de como a fazenda ficava linda coberta pelas flores amarelas das azedas?