São tudo menos culpados
Os “pequenos” precisam de crescer com saúde mental, sentirem-se ligados à vida, à natureza, ao mundo, uns aos outros
Nestes novos tempos de obrigações, contenção e confinamento, de forma a conter os efeitos de uma situação pandémica, a tendência para apontar o dedo aos disseminadores recai consecutivamente sobre os mais jovens.
Discursos carregados de zanga, pela irresponsabilidade que lhes imputam, deixam-me muitas vezes perplexa.
A geração adulta, mais crítica, que eu vou ouvindo falar, fala da irresponsabilidade dos jovens de hoje, face à pandemia, como se não tivessem sido igualmente e naturalmente irresponsáveis e inconsequentes na vivência e no tempo das suas adolescências.
Em alguns momentos de partilha de histórias de vida onde, entre gargalhadas e alguns rasgos de consciência da natural inconsequência de alguns atos vividos, o discurso costuma fluir tendo na base “coisas da idade”, que, quando não deixaram marcas traumáticas, são recordados com saudade e aquele cheirinho de aventura que enriquece o crescer.
Ainda hoje, para muitos adultos de idade acima da média, o prazer da adolescência irrefletida associado ao poder do adulto assumido mantém vivo e ligado o ato de crescer, facilitando o confronto com a contagem do tempo.
Os pais e educadores, independentemente da geração, foram sempre sendo enganados nas artimanhas do crescer, num processo natural de ânsia de experiência e de autonomia. Os riscos e os excessos sempre tiveram a função “de bater com a cabeça na parede” inevitável na construção da maturidade.
Por isso, neste tempo de pandemia as regras do crescer não mudaram e os jovens, adolescentes ou adultos, continuam a traçar o seu caminho aproveitando as abertas que os mais “maduros” vão permitindo e mesmo servindo de exemplo.
É mentira que são os jovens os responsáveis pelo descontrole de alguns momentos pandémicos. É mentira que são, em tudo, mais irresponsáveis do que os seus educadores no que se refere à prevenção de riscos. É mentira que são uma geração frágil e inconsequente.
É verdade que resultam de um momento social frágil, que estão muito mais preparados para o estilo de vida que foi sendo para eles criado, que vivem na base de uma instabilidade permanente, que lhes é exigido o máximo, em quase tudo, e que os seus educadores (pais e professores) sempre que se sentem perdidos tendem a olhá-los como reflexo das suas inquietações e fragilidades.
No que à pandemia diz respeito não há culpados. Há factos e responsabilidades. Tudo isto integrado num imenso universo de pessoas diferentes e divergentes obrigadas a partilhar o mesmo espaço. Há direitos e liberdades. Liberdade individual e coletiva. Há sofrimento, perdas profundas, morte. Há vida, muita vida para viver. Há vida que está adiada e uns mais que outros vão sendo capazes de aceitar esta condição com serenidade e capacidade de espera. Há ciência em movimento, com respostas que nos trazem esperança e crença num retorno à normalidade. É difícil para todos e nem todos aceitam e respeitam as circunstâncias.
Os “pequenos” precisam de crescer com saúde mental, sentirem-se ligados à vida, à natureza, ao mundo, uns aos outros. Precisam de continuar a construir, a construir-se. Estão bem no seu caminho. Estão em dificuldade. São tudo menos culpados.