Crónicas

Pst…hei…tu, abstencionista

1. Disco: Cat Power é uma artista única. Se há coisa que gosta de fazer é “desmontar” músicas de outros. Em “Covers”, conduz-nos numa visita a Frank Ocean, a Lana Del Rei, Nick Cave, The Pogues, só para destacar alguns. Um excelente trabalho.

2. Livro: “Milhões a Voar, as mentiras que nos contaram sobre a TAP”, de Carlos Guimarães Pinto e André Pinção Lucas, é directo, sensato, gráfico e muito necessário para que se possa entender a camisa de sete varas onde o Governo enfiou os contribuintes portugueses.

3. Um dos requisitos fundamentais, para termos uma democracia funcional, é a participação cívica. No entanto, muitas democracias, até as mais avançadas, enfrentam um declínio na participação eleitoral e é cada vez maior o número de cidadãos que não usam a sua voz, votando. A baixa participação eleitoral é prejudicial, uma vez que os estratos socioeconómicos mais baixos votam cada vez menos, ao contrário do que muitos pensam, como indicam diversos estudos. Os mais desfavorecidos são os que não ganham quase nada com a alternância com que somos brindados. Sim, alternância, quando o que verdadeiramente precisamos é de alternativa.

As pessoas não são os idiotas que muitos dos que andam na política pensam. O cabaz, o chequezinho, a compra do voto com prebendas que de dignas não têm nada, resolvem o problema da carência no momento, mas não criam condições de riqueza para quem delas necessita. Este socialismo laranja, que em nada difere do rosa ou do verde, faz tudo para que as pessoas tenham de recorrer a estas esmolas. Como é possível que, ao fim de quase 50 anos de Autonomia, estas coisas ainda persistam? São a prova provada de que, ao invés de uma Autonomia adulta e madura, o que temos é uma “ótonomia”. Tenho vergonha alheia por quem não conseguiu que a miséria, a pobreza, a carência, ainda afectem tantos madeirenses.

Muitas destas pessoas, não vão votar. Não querem saber. Estão amarguradas, desiludidas. São os que as elites políticas fingem ouvir. A quem dizem que sim, com a boca e não com o pensamento.

Mas não são os únicos. Por causa dos maus exemplos com que somos confrontados, com demasiada frequência, a classe política não é bem vista pela maioria dos madeirenses. Estrategicamente, uma vez por outra, coisas que posto no Facebook, vão parar aos “Ocorrências” das redes. No meio dos comentários vem sempre o costumeiro: “o gordo quer é tacho”… “olha mais um que quer mamar”… “o que tu queres sei eu bem”. Comentários de quem não me conhece de lado nenhum. Nem lê com atenção o que vai escrito. Ouço o mesmo na rua. No café. No futebol. Em todo o lado. É assim que, os que se enredam na política, são vistos pela maioria.

Os madeirenses ficam em casa porque não acreditam em nós, os protagonistas da política. E não acreditam, porque tanto lhes foram prometendo e muito pouco, ou nada, cumprindo. A política dos interesses sobrepõe-se, constantemente, ao interesse que a política deveria despertar, neste caminho que deveríamos fazer em comum. As pessoas estão fartas e não querem saber.

E paga o justo pelo pecador.

Vamos partir do princípio de que, dos 50% dos madeirenses que ficam em casa não exercendo o seu direito de cidadania, uns 15% têm argumentos para o fazer: estão fora; têm dificuldades de deslocamento, tenha isso a ver com transporte ou com locomoção; estão doentes, etc. Restam 35% que podemos considerar como desiludidos do sistema. Meus caros, o sistema que conhecemos é este. Um sistema que alterna entre os socialistas da laranja e os socialistas da rosa, um sistema que, nas eleições tem alternativas, mas que vocês não vão ajudar a escolher.

Ao ficarem em casa, deixam o vosso destino nas mãos dos que votam. Ou seja, a vossa posição não serve para ABSOLUTAMENTE NADA. A vitória da abstenção pode durar um dia porque, depois, são atingidos pela realidade que põe no poder o mesmo ou o mais do mesmo.

Se uma maioria quer votar a favor de algo e um eleitor da oposição se abstém, a abstenção apoia o voto da maioria. Ou seja, no nosso caso, a abstenção tem ajudado sistematicamente a dar a vitória aos socialistas laranja do PSD. E isto é um facto insofismável. O não voto, o ficar em casa, tem influência no destino da eleição. A abstenção ajuda sempre a maioria, porque o abstencionista abre mão da sua ferramenta de controlo e de influência sobre o resultado final. Seja ele qual for.

Muitas das vezes, o abstencionista crê que não vale a pena votar porque não o quer fazer nos partidos, ditos, da equação. E que, por isso, fazê-lo não vale de nada. Eleger deputados nacionais, regionais ou, mesmo, nos municípios e freguesias, de oposição, é sempre importante. São eles o contrabalanço, pois detentores de capacidade de fiscalização sobre quem exerce o poder.

Os abstencionistas, e não só, têm de deixar de olhar para o sistema político-partidário como olham para o futebol. O voto tem a obrigação de ser flutuante. Não é crime nenhum, hoje votar num partido e, nas próximas eleições, noutro. É, muitas das vezes, sinal de inteligência. Sinal de que se pensou e isso levou à mudança de ideias.

Termino quase que me repetindo: a abstenção só tem utilidade num sentido moral e, nenhuma, num sentido prático. A abstenção não conta como qualquer tipo de voto, não vale de nada. Não influência directamente o resultado de uma eleição, mas fá-lo de modo indirecto. Não votar deixa o abstencionista de fora da decisão daqueles que exercem o seu direito, que também é um dever.

4. Num estudo publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, no Índice da Pobreza Monetária por regiões, a Madeira aparece no último lugar, o mesmo acontecendo no índice de Exclusão Social. Isto tem também a ver, e muito, com o que vai dito acima, pois explicam abstenção em actos eleitorais.

Não ter vergonha destes números, ao fim de quase 50 anos de Autonomia, é não ter vergonha na cara.

A Autonomia criou uma rede de dependentes, como é apanágio dos socialismos: ter pobres para que estes fiquem agradecidos pelas migalhas que o Sr. Governo lhes dá, ao invés de criar trabalho e, com isso, riqueza para que cada um possa viver com dignidade e qualidade.

Entraram na Madeira milhões e milhões de euros que nos deram a ilusão de desenvolvimento: os túneis, as estradas, o betão por todo o lado. Ninguém vive em túneis, come alcatrão ou desfruta de uma cultura de betão.

Se houve coisas bem feitas? Claro que sim. Mas aqui chegados, com estes números de exclusão e de pobreza, é dramático. Com os milhões que recebemos, era obrigatório termos feito mais e melhor. As obras públicas nunca custaram o que foi contratualizado. Foi sempre muito mais. Conheço pessoas que têm a minha idade, com a mesma origem social que tenho, que vieram de Lisboa licenciados, enfiaram-se na política da situação e, em poucos anos, os sinais exteriores de riqueza eram mais do que muitos. E integram a Função Pública.

Com o que entrou na Madeira, a obrigação era a de fazer muito mais. Muito mais mesmo, principalmente, fazendo tudo para que os índices considerados não fossem estes.

Vergonha. Tenho vergonha.

5. “Eu voto, porque acredito. Nos meus interesses, nos meus amigalhaços. A política é para quem sabe. Hummmm… tirar vantagens, claro. Aquele negócio chorudo, aquele contrato. Eu voto sempre. Conselho de amigo: não votes… deixa comigo. Não votes, não.” Com estas breves palavras o Instituto +Liberdade resume a inutilidade do ficar em casa. A inutilidade do não votar. Quem beneficia com isso não és tu, meu caro abstencionista. Mas há quem beneficie. E muito.