Ecos de Madrid
Tendo recentemente regressado da 43.ª conferência internacional da EPTA (Associação Europeia de Professores de Piano) em Madrid, continuo na onda de entusiasmo que, naturalmente, surgiu depois de ter tido a oportunidade de passar quatro dias na companhia de cerca de 40 colegas de 17 países, e ainda, maravilhosamente, de modo presencial. Efetivamente, o esforço organizacional da EPTA Espanha e do seu presidente, Alberto Urroz, para garantir a segurança de todos num evento destes foi extremamente complexo, mas a satisfação geral de podermos partilhar as nossas contribuições perante uma plateia viva compensou largamente todas as restrições exigidas. Já o facto de praticamente todos os participantes terem conseguido chegar ao evento e que depois todos (que tenha conhecimento) termos conseguido sair sãos e salvos, livres do vírus, foi uma razão para nos alegrarmos e termos mais otimismo nos próximos meses.
Num momento em que as pessoas querem apostar na vivência presencial mas em que a cautela sempre nos condiciona, num momento em que todas as artes, e entre elas a música, querem regressar permanentemente ao contacto imediato com os seus apreciadores, num momento em que o ensino de artes, e sobretudo o ensino de música, já esteve a esgotar a capacidade de improvisação e compensação, o encontro presencial fez arder plenamente a lume, entretanto algo atenuada e suprimida, de entusiasmo e calor humano que nos alimenta na nossa atividade pedagógica.
As experiências artísticas que nesses dias tivemos o privilégio de viver, do jantar e concerto de gala na sumptuosa sala real do Casino de Madrid ao concerto de canções espanholas e zarzuela, pela Escola Superior de Canto de Madrid, e o fascinante espetáculo de flamenco e dança espanhola pelo Conservatório Profissional de Danza Fortea, foram as mais-valias do programa que serviram de melhor possível apresentação da cultura musical espanhola e fizeram a lume brilhar ainda com maior intensidade.
Sob o lema “Ligando os continentes e as tradições”, esta conferência fez apreciar as iniciativas criativas no ensino que foram realizadas em mais variadas partes do mundo, desde Argentina, Chile e Colômbia a Coreia do Sul, Israel, Noruega e Islândia, incluindo também as contribuições dos países tradicionalmente ligados ao património cultural ocidental.
Foi para mim uma grande satisfação de poder entreabrir para os colegas, tanto portugueses como estrangeiros, a janela para o mundo musical da Madeira cosmopolita do século XIX e introduzir compositores cuja criatividade foi impulsionada pela vivacidade da vida social dos músicos entusiastas, profissionais e amadores, que se movimentavam nos salões burgueses e aristocratas, madeirenses e estrangeiros, descritos na altura como dignos de uma Londres ou Paris. Estes compositores, de orientação estilística e cultural ocidental, e o seu público viajado, levaram um pouco do Mundo para a Madeira, e ajudaram a aproximar a Madeira ao Mundo, criando obras com referências musicais à Região que foram publicadas, tocadas, e assim conhecidas, noutros países. A música composta na Madeira, para Madeira e por compositores com alguma ligação à Madeira, seja por terem sido naturais da Região, residentes nela durante algum tempo ou visitantes por razões artísticas ou familiares soou assim pela primeira vez no Real Conservatório Superior de Música de Madrid mas também, muito provavelmente, pela primeira vez num século ou mais, no continente europeu em geral.
Para nós, os professores, os laços profissionais, culturais e pessoais, formados nessas iniciativas representam não apenas uma atualização, uma renovação e um rejuvenescimento pessoal e profissional, mas também um enriquecimento precioso da nossa maneira de pensar e agir. Deste modo, contribuem para o nosso bem-estar espiritual e mental, implicando que a música nos liga tanto ao mundo como também a nós próprios.
Já são 43 as edições deste encontro anual valioso e a Madeira pode ter orgulho de, em 2006, ter sido o palco do 26.º destes encontros, reunindo profissionais de cinco continentes e afirmando o acolhimento e vitalidade da música e do ensino da música na Região. Foi também o meu grande privilégio pessoal ter estado na coorganização desse evento.