O burro, o tigre e o leão
Li uma vez uma história, julgo que de origem tunisina, que reza mais ou menos o que adiante escrevo:
um burro diz a um tigre que a erva é azul! “Não” retorque o tigre, “é verde”! A troca de ideias fica azeda e resolvem recorrer ao Rei Leão para arbitrar a disputa. Bem antes de chegarem à clareira onde o leão descansava, o burro põe-se a gritar – “ Vossa Majestade, a erva é azul, não é azul, a erva, Majestade?” O leão responde-lhe:
- Sim, a erva é azul!
Diz então o burro: “Majestade, o tigre não está de acordo comigo e isso aborrece-me, que castigo lhe darás?”
- O tigre será punido com cinco anos de silêncio, diz então o leão, Rei da Selva.
O burro regozija e, saltando de contentamento, continua o seu caminho repetindo incansavelmente: “ a erva é azul, a erva é azul…”
O tigre aceita a punição, mas pergunta ao leão: “Vossa Alteza porque me pune? Não é verde a erva, afinal?”
Diz-lhe o leão:
- Efectivamente é verde, a erva. “Porque me punis então?” pergunta o tigre.
Explica o leão:
- Isso não tem nada a ver com a questão de saber se a erva é azul ou verde. A tua punição deve-se ao facto de uma criatura corajosa e inteligente como tu tenha perdido o seu tempo a discutir com um louco fanático que não se ajusta à realidade ou à verdade, mas somente à vitória das suas crenças e ilusões. Nunca percas tempo com argumentos que não fazem sentido nenhum. Há pessoas que, quais que sejam as provas que lhes apresentemos, não têm a capacidade de entender o que lhes é dito. E outras há que, cegas pelo ego, pelo ódio e pelo ressentimento, não desejam senão uma coisa: ter razão, mesmo sem a ter.
Ora, quando a ignorância grita, a inteligência cala-se, remata o leão, Rei da Selva.
Todos nós já fomos, um dia, numa qualquer fase da nossa vida, ou burro, ou tigre ou leão, já fomos, fruto das circunstâncias dos momentos, intolerantes e egoístas, inteligentes e sábios, já sentimos o ódio que não devemos ter, a inteligência que não soubemos aproveitar, a sapiência que leva à tolerância, nem todos os estados ao mesmo tempo, pelo contrário, muitas vezes com a intolerância a se sobrepor à tolerância, o ódio a sobrepesar a amizade, a inteligência a ser ultrapassada pela estupidez!
Afinal somos só humanos!
E como humanos temos a capacidade de poder escolher qual deles queremos ser. Normalmente ninguém (ou são raros) é um puro, mas sim uma mistura de quaisquer dois ou ser uma parte dos três consoante as circunstâncias que a vida apresenta, e a escolha de qual queremos ser num dado momento é que determina quem cada um é efectivamente.
Mas, humanos que somos, temos também o dever de saber aprender as lições que a inteligência do tigre e a sabedoria do leão podem trazer à intolerância e ao ódio que o burro carrega consigo.
De tempos em tempos, principalmente quando se aproximam os períodos eleitorais, somos bombardeados com um ror de propostas que contêm uma enorme mescla de palavras e ideias contendo seja a intolerância e o ódio do burro, seja a inteligência e a sapiência do tigre e do leão, todas ao mesmo tempo e nos mesmos pacotes, formando conjuntos tão semelhantes e tão díspares entre si, que precisamos de activar todos os sentidos de inteligência e sabedoria do leão e do tigre para não sermos tomados por burros, como tantas vezes alguns burros disfarçados de tigres e leões (há deles em todos os grupos sociais, sem excepção que possa confirmar a regra, nuns mais evidentes que noutros, como se pode facilmente confirmar nestes dias de intensa actividade propagandística) nos querem fazer passar.
Estamos precisamente num desses momentos. No próximo domingo temos de ter a sabedoria do leão e votar com a inteligência do tigre para não passarmos por burros intolerantes e odiosos.
É altura de, com consciência, votar, para que não se cale a inteligência e assim, com sabedoria, impedir a ignorância de gritar!