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A emergência da Cidade

Há uns meses neste espaço referi, que, prescindir de Pedro Calado no governo regional, e alocá-lo na candidatura à presidência da Câmara Municipal do Funchal, era como cortar com o ás de trunfo, arrumando o ganho da bisca, quando bastava uma carta menor para despachar o jogo. Disse-o e mantenho, mesmo sabendo da urgência premente de resgatar o Funchal, da presente letargia fétida e pustulenta que escorre dos Paços do Concelho.

É óbvio que ganhar o Funchal é um passaporte para voos mais altos. Mas, até lá é preciso arrumar a maior cidade da Região e devolver-lhe identidade e asseio. Da mesma maneira que muitas vezes aqui referi, que a Câmara do Funchal era um trampolim para Cafôfo (cujos intentos fracassaram tornando-se ele, apenas, o “curador de latrina” do Largo do Rato na Madeira, desaguando num epifenómeno de rápido esquecimento). Contudo, para Calado o maior município da Região (que ele já bem conhece), é um patamar de missão, aliado a uma efetiva emergência da Cidade, que clama urgentemente por cuidados, face ao completo abandono, que a amálgama da esquerda a votou, no emaranhado de interesses tribais que parasitam a urbe desde 2013, a que o legado solitário de Miguel Gouveia, que herdando uma equipa alheia e desconexa, paralisou ainda mais, uma cidade em agonia.

Independentemente das simpatias políticas e/ou pessoais, Calado marcou num curto espaço de tempo a governação da Região, emprestando um élan a uma gestão que acusava algumas ineficiências, e sobretudo, imprimindo animosidade a vários dossiers que estavam emperrados. Além do mais, a gestão política dos desafios impostos pela pandemia (que ainda nos assola), foi também determinante, para aquilatar da capacidade do executivo de Miguel Albuquerque numa crise desta dimensão, a que Pedro Calado também se destacou na coordenação de várias pastas de relevo com a sua equipa, num governo de coligação que reclama redobrados esforços e escrutínios. Não acredito em homens providenciais, nem messiânicos. Por vezes, basta o bom senso e alguma competência. Mas até isso rareia nos destinos da minha cidade, há muito tempo.

As atenções viram-se para este próximo ato eleitoral. A hegemonia social-democrata deteriorou-se há oito anos com as eleições autárquicas de 2013. As feridas abertas na sede da Rua dos Netos desde a ousada rebeldia miguelista de 2011/2012, ainda exibiam pústulas abertas nas autárquicas de 2017. Os pressupostos desses dois momentos já não se verificam da mesma maneira. Além do mais, o eleitorado madeirense está mais maduro e atento ao escrutínio da ação governativa nos vários planos. Na hora do aperto, a generalidade das pessoas sabe com quem contar, sem aproveitamento promocional nem propagandístico. Basta “resolver” e fazer o que tem de ser feito. Vimos isso ao longo deste ano e meio de pandemia. Os que se aninham comodamente na propaganda profissional com câmaras a tiracolo para registar a pífia existência, esses, normalmente estão isentos de crítica, pois aquilo que é inerte, é comum também ser inócuo.

E neste particular, o desastre em que está mergulhado o Funchal entra-nos pelos sentidos adentro. É requerida uma profunda reformulação de procedimentos, e um combate à opacidade e nepotismo tribal e parasitário da atual gestão autárquica. É inconcebível que os processos urbanísticos se arrastem indefinidamente. É inqualificável a política imbecil da mobilidade urbana do Funchal, que mantém uma cidade amarrada a uma administração casuística, sem planeamento. E este carácter aleatório é transversal a tantas outras áreas da governação municipal, como a política ambiental, que não só fede mal, como exala ainda odor a tragédia mal resolvida, desde 2017. O distanciamento imposto ao munícipe na sua relação com o decisor político municipal nunca foi tão intenso, desde que a esquerda (des)governa o Funchal. A muralha pretoriana securitária da porta dos fundos destinado ao munícipe, contrasta com aquela loja despersonalizada junto da rua 5 de Outubro, com filas de pessoas ao sol e chuva, que é o local onde a autarquia nos recebe melhor, ainda que à senha, pois, é lá que pagamos todo o universo de taxas que também alimentam o clientelismo reinante.