Eleições legislativas cruciais para o Kremlin com oposição quase silenciada
Os russos começam a votar na sexta-feira para eleições legislativas que se prolongam até domingo, assinaladas pelo afastamento de importantes candidatos da oposição num escrutínio decisivo para o Kremlin e as ambições de Vladimir Putin.
Nos meses que antecederam as legislativas, que se concluem após três dias de votação, as autoridades desencadearam uma repressão sem precedentes sobre diversos setores da oposição para afastar os críticos mais conhecidos e desafiantes, em particular o círculo próximo de Alexei Navalny, considerado o principal rival do Presidente Putin, e ainda nos círculos liberal e comunista.
Alguns foram impedidos de concorrer na sequência de novas e repressivas leis, outros abandonaram o país e alguns foram detidos -- mais de 400 presos políticos, segundo a organização Memorial -- enquanto Putin e o seu Governo anunciavam na passada terça-feira medidas dirigidas ao seu potencial eleitorado através de programas de apoio social para famílias, pensionistas e militares.
A pressão também se acentuou sobre os media oposicionistas e ativistas de direitos humanos, com diversos 'sites' e organizações a serem acusados de "agentes estrangeiros" e de elementos "indesejáveis", com eventuais ligações ao exterior.
Os grupos da oposição reconhecem que o Kremlin lhes deixou poucas opções, num escrutínio considerado decisivo para a intenção do Presidente Vladimir Putin de reforçar o seu poder. No entanto, ainda mantêm a esperança de enfraquecer o domínio do Rússia Unida, partido no poder, na futura Duma (Câmara baixa do parlamento).
Setores da oposição e analistas políticos consideram que a eleição é crucial pelo facto de o Kremlin pretender assegurar o controlo total do novo parlamento.
A nova Duma ainda estará em funções em 2024 quando expira o atual mandato de Putin na chefia do Estado, que se poderá decidir pela reeleição ou optar por outra estratégica para preservar o poder.
"Putin adora manter a incerteza e tomar decisões no último minuto", indicou Abbas Gallyamov, um antigo colaborador do Kremlin e responsável pelos seus discursos, citado pela agência noticiosa Associated Press (AP).
O Kremlin também pretenderá evitar o risco de ver deputados a apoiarem os possíveis protestos em 2024 e com uma instituição eleita por voto direto a contestar o poder, em simultâneo com os protestos, cenário que transporia o conflito para um nível mais elevado.
No entanto, a Rússia Unida poderá ter dificuldades em preservar o seu domínio absoluto no parlamento, onde garante agora 334 dos 450 lugares.
Uma sondagem do Centro Levada (independente) indica que 27% dos russos se dispõe a votar no partido de Putin, que perante este cenário optou por intensificar o cerco às oposições, mesmo mantendo o primeiro lugar.
Alexei Navalny, o mais conhecido crítico do Putin e que nos últimos anos desafiou o predomínio do Rússia Unida nos escrutínios regionais, cumpre dois anos e meio de prisão por suposta violação da liberdade condicional, uma decisão judicial que considerou politicamente motivada.
Os principais aliados de Navalny foram acusados de práticas criminais e o seu Fundo de Luta contra a Corrupção e uma rede de delegações regionais foram proibidos e encerrados ao serem considerados "extremistas".
Em consequência, centenas de pessoas associadas a estes grupos foram perseguidas, enquanto o parlamento aprovava uma nova lei que impedia as candidaturas com ligações a "organizações extremistas".
Estas medidas impediram a apresentação de qualquer candidato da equipa de Navalny, e muitos deixaram o país. Cerca de 50 portais dirigidos por Navalny e apoiantes foram bloqueados, e encerradas dezenas de delegações regionais. Outros ativistas da oposição também foram impedidos de concorrer, incluindo Pavel Grudinin, um quadro do Partido Comunista da Federação Russa (PCFR) e o segundo candidato mais votado nas presidenciais de 2018.
Entre os diversos detidos inclui-se Andrei Pivovarov, do grupo oposicionista Rússia Aberta financiado pelo magnata Mikhail Khodorkovsky, um crítico de Putin que se instalou em Londres após cumprir dez anos de prisão sob acusações que foram consideradas uma vingança política.
Apesar das medidas repressivas, a equipa de Navalny ainda planeia aplicar a sua estratégia do "Voto Inteligente", um projeto destinado a apoiar os candidatos mais bem colocados para derrotar os representantes do Rússia Unida, independentemente da sua filiação.
Em 2019, o "Voto Inteligente" permitiu que os candidatos da oposição elegessem 20 dos 45 lugares na assembleia municipal de Moscovo, e nas eleições regionais de 2020 o Rússia Unida perdeu a maioria em três cidades.
As previsões indicam ainda que o PCFR se vai manter o principal partido da oposição, tradição que mantém desde a eleição do primeiro Presidente russo, Boris Ieltsin, em 1991, e com Putin a partir de 2000.
Apesar de ter perdido força nas últimas décadas, na sequência da dissolução da URSS, este partido de ideologia ortodoxa pode sair reforçado se recolher a maioria do voto de protesto após a eliminação dos candidatos próximos de Navalny, com algumas sondagens a atribuírem-lhe 20% dos votos beneficiando da estratégia do "Voto Inteligente".
Num contexto de crescentes pressões dirigidas às redes sociais com a aproximação das eleições, e no prosseguimento de medidas já adotadas, a justiça russa condenou na terça-feira os gigantes norte-americanos Facebook e Twitter, a novas multas por conteúdos considerados ilegais.
Há vários meses que Moscovo se confronta com os gigantes digitais dos Estados Unidos, acusados de não moderarem corretamente os seus conteúdos e de ingerência nos assuntos internos russos, ao recusarem suprimir as publicações de oposição ao Kremlin.