Entendendo o mito das cavernas nos dias atuais
Mariana tem 10 anos. Nasceu em março de 2.011. Os pais são divorciados e a menina fica com a mãe e a avó que acaba sendo a genitora quase que de fato. Maria Lúcia, a mãe trabalha em uma empresa de marketing por seis horas e, á noite, estuda em uma faculdade.
O pai é caminhoneiro e passa mais tempo na estrada do que na cidade onde a filha mora e, assim, dispõe de pouco tempo com a criança que o vê de vez em quando, poucos minutos em um final de semana qualquer, ou feriado. O tempo é sempre escasso e o amor de pai-filha-pai inexiste.
A garota estuda à tarde. Levanta no meio do dia, pega seu lanche na geladeira, coloca no micro-ondas, juntamente com um copo de leite integral, desnatado e com achocolatado artificial. Senta-se em frente ao televisor, liga em um canal pago com programinha infantil, onde aparecem mil publicidades sobre isto e aquilo.
O programa dura meia hora, mas serve como balizador para a menina.
Logo que termina seu desjejum é que se lembra de escovar os dentes, pentear o cabelo. A cama fica por arrumar e a bagunça da noite anterior permanece ali.
A avó não liga e espera que a mãe corrija a menina. Mas nada acontece, nem com uma e muito menos com a outra.
Após o programa do café ela lança mão do celular e fica verificando as influenciadoras mirins e jovens que simulam isto ou aquilo em seus quartos, sala de estar, piscinas. O mundo da fantasia que encanta todos os pré-adolescentes, jovens e pré-adultos.
Mariana nunca viajou com a mãe e, na rua em que mora, não conhece os vizinhos da rua. Limita-se a poucas amigas na escola. Também só na casa de uma é que foi em uma festa. Nada mais.
O shopping fica distante da casa e a avó não tem tempo de levar a menina lá. Na cidade tem alguns pontos turísticos, museu, teatro, parque com área verde e urbanizada, igrejas históricas. Mariana nunca esteve em nenhum destes lugares. Também não conhece a zona rural com suas trilhas maravilhosas, paisagens encantadoras, cascatas e cachoeiras. Aliás, na roça, foi uma vez com a avó e um tio-avô. Passou ali um final de semana. Veio com o pé machucado, a pele picada por muriçoca e pernilongo. Hoje, esconjura quando se fala em passear na mata.
Apaixona-se pelas belas paisagens que aparecem nas redes sociais. Nos hotéis luxuosos e distantes. Países que nem a avó ou a mãe jamais pensaram em visitar. Mas, naquela cabecinha pequena é ali que deseja conhecer, passear, visitar museus e morar um dia. Mas, o tempo vai passando e, o conhecimento real do mundo á sua volta mais distante.
Mariana não está só neste círculo vicioso da modernidade. Junto a ela seguem dezenas, centenas, milhares de crianças mundo afora. Seres desprovidos de histórias próprias, conhecimento próprio. Vivem para sobreviver. Parece pleonasmo? Talvez seja.
Sobrevivem em um mundo irreal, virtual, dissimulado e longe da realidade.
A menina desconhece o mundo das amizades verdadeiras, das brincadeiras de correr, suar, cansar. Aquele sono do meio da tarde depois de um dia brincando, gastando energia.
Para isso encaminham-na para uma academia com um “personal trainer”. Para alimentar-se melhor, uma nutricionista. Para seus cabelos, um profissional de salão. Não aprende com a amiga, com a vizinha, com a mamãe.
Mariana nunca viu uma borboleta em sua vida, só ouve falar. Como é um amendoim na casca? Isso existe? Não sabe como funciona “as coisas”. Tudo é automático. Foge de abelha por medo de uma reação. Teme o contágio pelo coronavírus. Come enlatados, porque vê na TV ou no celular. O “fast food” é o máximo. É só pedir que entregam em casa.
Quem sabe, um dia, ela rompa esta bolha que a prende em seu sofá pela manhã, sua cama na noite e, neste novo redescobrir, conhecer, leve sua mãe, sua avó, seu pai.
Nós, os seres humanos pensantes de hoje, estamos regredindo para nossas cavernas, nossos mundinhos. Fechados em nós, egoístas com os outros e, pequenos ditadores quando não concordam com nosso pensar.
Gregório José