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O ressentimento dos não visíveis

Nas sociedades ocidentais tem-se assistido a um crescente descontentamento dos indivíduos pertencentes à designada “classe média”

Adam Smith perspetivou que o sofrimento das pessoas com menos recursos, quando satisfeitas nas suas necessidades básicas, não deriva de privações materiais, mas sim da perceção de falta de estatuto e de reconhecimento, de uma certa invisibilidade social.

O termo de comparação entre os indivíduos acerca do seu estatuto não reside num padrão universal de riqueza, mas sim no grupo com que lidam socialmente. A biologia observa que os primatas que atingem um domínio ou estatuto superior no seu grupo têm níveis mais altos do neurotransmissor serotonina, associada à sensação de bem-estar, humor e felicidade, enquanto a psicologia evidencia que o bem-estar e satisfação com a vida estão, muitas vezes, fortemente ligados ao nosso estatuto relativo ao invés do absoluto: um etíope e um alemão que percecionem ser de condição superior poderão ser igualmente felizes, apesar da distância económica que os separa.

Nas sociedades ocidentais tem-se assistido a um crescente descontentamento dos indivíduos pertencentes à designada “classe média”, mais vulneráveis à estagnação ou mobilidade descendente, social e/ou de rendimentos, que perceciona que o seu estatuto social relativo está a distanciar-se da franja que detém mais riqueza, ressentindo-se com estes e com os decisores políticos do arco da governação, mas também com os cidadãos de menor estatuto, que sentem ser favorecidos por políticas sociais e mais reconhecidos nos seus problemas. Julgam-se traídos na promessa de que “se estudares, trabalhares, fores bom cidadão e pagares impostos, terás direito às benesses do paraíso ocidental”.

Como uma das consequências deste ressentimento surge o desencantamento com o “sistema” e com a política e a identificação com mensagens populistas, anti minorias e imigração, sentimentos que são capitalizados pela chamada direita radical, que se limita a apresentar soluções superficiais ou pueris.

No polo oposto do espectro político ganha força e influência a “nova esquerda”, que preteriu as questões de classe e das desigualdades económicas em prol da “revolução” através da cultura, dos costumes e do politicamente correto de pensamento único, tribalizando o seu ativismo por via de grupos identitários fragmentados, que utilizam aspetos específicos da pessoa como a identidade e orientação sexual, cor da pele, etnia, etc. – mas que não definem o caráter, a dignidade nem a identidade de uma pessoa, que é muito mais rica – e os tornam em causas vitimizantes que reclamam mais direitos, atenção, estatuto, e procuram “opressores” e “culpados” contra quem lutar, numa perigosa mundividência maniqueísta, que divide mais do que une.

Sem um idealismo lúcido, que com honestidade e clareza aponte um caminho bom e justo em que acreditar, e sem a implementação de políticas que deem ferramentas às pessoas para se dignificarem, terem reconhecimento e vislumbrarem a possibilidade de subir no elevador social, a política é um mero exercício de administração do quotidiano, de pessoas e bens. E isso pode pagar-se caro.