Ex-combatentes revoltados e desiludidos com atrasos na gratuitidade dos transportes
São cada vez mais os antigos combatentes que tentam beneficiar da isenção de pagamento dos transportes públicos, aprovada pelo Governo, mas não o conseguem por falta de regulamentação da medida e até as próprias transportadoras desconhecem como irão proceder.
"As pessoas entram no transporte, apresentam o cartão [de Antigo Combatente] e preparam-se para fazer uma viagem sem ter de a pagar, conforme se lê no verso do cartão, e levam com um não pela frente", lamenta o presidente da Associação dos Combatentes do Ultramar Português (ACUP), Manuel Rodrigues.
No âmbito do Estatuto do Antigo Combatente, aprovado em 2020, mais de 200 mil cartões foram enviados, dos quais 190 mil para antigos combatentes e mais de 14 mil para viúvas ou viúvos de antigos combatentes, segundo informação do Ministério da Defesa Nacional.
Nas costas do Cartão do Antigo Combatente lê-se que o seu titular tem direito à isenção de taxas moderadoras, gratuitidade do passe intermodal dos transportes públicos das áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais e gratuitidade da entrada nos museus e monumentos nacionais.
O cartão está a ser enviado com uma carta, na qual se explica que, "além dos benefícios consagrados pelo Estatuto do Antigo Combatente cujo gozo já foi possível garantir, nomeadamente, a isenção de taxas moderadoras e a gratuitidade da entrada nos museus e monumentos nacionais, existem outros benefícios conferidos através do presente cartão cujo acesso está dependente da respetiva regulamentação e da adoção de um conjunto de medidas, de natureza técnica e administrativa, que envolvem várias áreas governativas".
Mas esta informação não está a ser devidamente entendida pelos portadores do cartão, que o têm apresentado nos transportes, convencidos que já podem usufruir da isenção do pagamento das viagens, de acordo com as associações que representam os antigos combatentes e que nos últimos dias têm sido inundados de pedidos de esclarecimentos.
"Temos uma funcionária que o único papel dela durante o dia é receber estas queixas", disse à Lusa Manuel Rodrigues, que lamenta a situação e, principalmente, a "desilusão e desencanto" que os antigos combatentes sentem quando vêm rejeitado o cartão.
Isto apesar da entrada em vigor do Estatuto do Antigo Combatente, o qual define um conjunto de direitos aos militares que combateram ao serviço de Portugal, e era "uma velha reivindicação dos antigos combatentes", adiantou.
Manuel Rodrigues já esperava por esta confusão, pois apercebeu-se que as coisas no terreno não estavam preparadas. "Não se pode dar um cartão a um antigo combatente e depois dizer que, afinal, ainda não pode usá-lo para usufruir de parte dos direitos que lhe dá".
Os portadores do cartão "pensavam que, ao recebê-lo, podiam utilizá-lo plenamente", acrescentou.
Nos últimos tempos, e tendo conhecimento das dúvidas que a questão está a colocar, o Ministério da Defesa Nacional colocou um conjunto de esclarecimentos nos meios digitais, indicando que "esta é uma medida de relativa complexidade atendendo à grande diversidade de operadores, serviços de transporte e sistemas de tarifários existentes nas diferentes áreas geográficas do país".
"Acresce que a sua concretização envolve quatro áreas governativas - Defesa Nacional, Finanças, Ambiente e Ação Climática e Infraestruturas e Habitação - e exige a articulação com as autoridades de transportes das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais", prossegue a explicação.
A tutela não avança datas para a concretização da medida e as transportadoras também desconhecem a forma como a vão aplicar.
Contactada pela Lusa, a Associação Nacional de Transportes de Passageiros (Antrop), limitou-se a referir que aguarda a publicação da regulamentação para saber como este benefício irá ser aplicado.
Para o presidente da Liga dos Combatentes, Chito Rodrigues, esta questão dos benefícios é mais uma demonstração de como o Estatuto "é bom para o reconhecimento moral dos antigos combatentes, mas muito aquém do reconhecimento material".
Em declarações à Lusa, contou que a ideia da Liga para os benefícios nos transportes considerava os transportes públicos e não o "passe intermodal", conforme está definido na lei, o que reduz completamente o âmbito dos transportes".
Por essa razão, defende a revisão da lei e a clarificação deste, e outros, aspetos.
Alerta para o impacto de entregar um cartão onde se leem três direitos e depois não estarem todos em vigor. "É preciso calma", disse.
Chito Rodrigues acredita que a questão se irá compor e só espera que tal aconteça rapidamente, pois as dúvidas e as questões colocadas pelos antigos combatentes chegam à Liga "todos os dias e a todas as horas".
E deixa um aviso: "Somos cerca de 300 mil, mas daqui a 20 anos não está cá nenhum".
A Lusa contactou a Associação dos Deficientes das Forças Armadas (ADFA) que optou por não se pronunciar sobre esta matéria.
Na quarta-feira, o PAN questionou o Governo sobre os atrasos na gratuitidade dos transportes públicos para antigos combatentes, afirmando que recebeu queixas de ex-combatentes que, "induzidos em erro pela carta que acompanhava o envio do cartão, tentaram, sem sucesso, fazer uso deste direito de utilização gratuita dos transportes públicos, não tendo em alguns casos conseguido obter explicação pelas empresas de transportes públicos para o sucedido".
A Lusa contactou várias empresas de transporte de passageiros, de norte a sul de Portugal, e nenhuma delas sabe como e quando a medida será aplicada.