Quantas pessoas éramos, quantas somos e quantas queremos ser
Os Censos 2021 espelham bem que não corre tudo bem na Região
Foi no fim de julho que tivemos acesso aos resultados preliminares dos Censos 2021, um instrumento fundamental para tomarmos pulso da realidade do nosso país. Os Censos são um instrumento indispensável para diagnosticar, planear e intervirem vários domínios da nossa vida em comum, nomeadamente no que diz respeito à definição de objetivos e prioridades para as políticas de desenvolvimento económico e social e, conforme lembra, e bem, o Presidente do Instituto Nacional de Estatística, «apenas são possíveis quando toda a Sociedade se congrega neste fim comum».
Estes resultados preliminares (os resultados definitivos só serão conhecidos no quarto trimestre de 2022) espelham o que já intuíamos, depois de uma década em que o País e a Região atravessaram uma profunda crise e uma pandemia: somos um país com uma população cada vez mais envelhecida e somos menos que em 2011. Somos agora, em Portugal, cerca de 10 milhões e 343 mil pessoas, menos 214 mil pessoas do que há dez anos, o que representa uma redução de 2%.
Mas se olharmos para a realidade da Região a redução populacional é de 6,2%, ou seja, bem mais acentuada: temos agora um total de 251 mil pessoas, menos 16 mil 725 pessoas do que há dez anos – e isto apesar de termos tido o regresso de pessoas da nossa diáspora, nomeadamente da Venezuela, dadas as condições de vida num País mergulhado numa ditadura e numa onda de criminalidade crescente. Se não se tivesse registado este regresso de famílias inteiras, o saldo seria ainda mais negativo e o envelhecimento da nossa população seria ainda mais elevado. Os resultados mostram também que a nossa maior perda populacional se deu nos concelhos a norte – Santana e S. Vicente, com menos 15% e 14,8% da população que em 2011 – o que espelha bem que estas questões estão também relacionadas com a falta de investimento público na qualidade de vida naquela parte do nosso território.
Estes dados têm de ser objeto de profunda e aturada reflexão por parte das várias entidades públicas responsáveis por desenhar as políticas de desenvolvimento e devem ter influência na definição das prioridades da Região e dos vários municípios. Isto implica políticas públicas que estejam centradas na fixação de pessoas e, consequentemente, nas condições que a Região – e os diferentes concelhos – oferecem aos seus e às suas habitantes. Certo é que precisamos de mais investimento para inverter estes resultados.
Precisamos de investir mais na produção de conhecimento – a nossa Universidade pode ser fundamental para a fixação de mais pessoas na Região. Também igualmente importante será o investimento nas políticas públicas de apoio às famílias com crianças. O enorme esforço financeiro que uma criança implica tem influência (negativa) na decisão do número de crianças que cada família planeia ter. A par deste fator, também as exigências laborais, pouco complacentes com a vida familiar e com a existência de crianças, contribuem para essa decisão. Para invertermos esta situação, precisamos repensar as políticas públicas no que diz respeito aos incentivos à natalidade (que não se podem esgotar nos primeiros meses de vida da criança) e na forma como negociamos as relações laborais.
A habitação é outro problema: o mercado de compra e arrendamento da Região é incomportável para o orçamento da maioria das famílias. Não é possível continuarmos a ter salários tão baixos – basta pensar no salário mínimo nacional – e ter um mercado de arrendamento em que os valores mais baixos se situam acima desse salário. Já para não falar nos preços da maioria dos apartamentos e casas que estão no mercado de compra e venda de habitação, inacessíveis para a grande maioria da população, contrastando com a falta de investimento em habitação a custos controlados ou em habitação social.
Ainda que sejamos uma Região com grande potencial turístico, a pandemia veio demonstrar que o turismo não pode ser a nossa única aposta em termos económicos. Será avisado não continuarmos tão dependentes de um único setor. Podemos, por exemplo, lançar um olhar mais cuidadoso sobre o setor primário e apostar na indústria transformadora de modo a oferecer produtos de qualidade, diferenciados e de maior valor acrescentado.
Por último, a coesão territorial é importante para a fixação de pessoas nas zonas mais recônditas. Mas o investimento em melhores acessibilidades e redução de distâncias tem de acontecer de forma programada e inteligente, em articulação com incentivos à empregabilidade e revitalização das zonas mais despovoadas com a oferta de serviços importantes que foram reduzidos ou até extintos nos últimos anos (ao nível da saúde ou da educação, entre outros). Temos casos de alternativas que estão prometidas há décadas e nunca foram concretizadas – como é o exemplo da segunda via para o Curral das Freiras, uma obra que não só dinamizaria mais o turismo naquela freguesia – e consequentemente criaria mais emprego - como também constituiria uma outra saída de uma freguesia que está rodeada de floresta e, por isso, vulnerável a fenómenos que têm afetado a Região com cada vez mais intensidade, como é o caso dos grandes incêndios. Também prometida está a Via Expresso para o Jardim da Serra, cuja execução paralisou já há alguns anos. Não é coincidência estas duas freguesias serem as que mais população perdeu no concelho de Câmara de Lobos: o Curral das Freiras perdeu 20,8%, o Jardim da Serra 17,2%. Mas sublinhe-se que a perda de população em Câmara de Lobos aconteceu em todas as freguesias e este é um dado que deve preocupar quem decide: somos o quarto concelho da Região que mais população perdeu; ao todo, perdemos 9,8% da população na última década. Somos hoje 32 175 pessoas, quando em 2011 éramos 35 666. Pela primeira vez regista-se em Câmara de Lobos uma inversão na tendência dos últimos 40 anos: em vez de crescermos, diminuímos.
Os Censos 2021 espelham bem que não corre tudo bem na Região, nem tão pouco que Câmara de Lobos está na moda, como tem sido dito e redito pelos responsáveis governativos. Quando um concelho está na moda, a tendência é de crescimento e não o inverso. Quando tudo está bem numa Região, há gente a querer migrar para onde há prosperidade e qualidade de vida; por outro lado, as pessoas que já lá residem não procuram melhores condições noutras paragens.
Nos próximos anos, temos de criar condições efetivas para que as pessoas considerem que é bom viver cá – e que é bom vir viver para cá. A Madeira tem de se tornar uma Região aliciante para quem já cá está e também para quem procura melhores condições de vida.
É a partir daqui – das pouco mais de 32 mil pessoas em Câmara de Lobos e a partir das 251 mil pessoas da Região – que precisamos mesmo repensar as nossas políticas públicas tendo em conta os indicadores demográficos; se não o fizermos, nos próximos censos, daqui a 10 anos, constataremos que o problema se agravou ainda mais e então será ainda mais difícil reverter a situação.
Vamos continuar a deixar que se finja que está tudo bem?