Artigos

Desconstruir a doença

Atualmente a resposta da saúde mental é cada vez maior e mais diversificada

Cada história de vida é um habitáculo de personagens que se movimentam de acordo com a sua personalidade e saúde mental.

Quando a doença se constrói no núcleo familiar se uns conseguem coabitar com a herança, reconstruindo-se, adaptando-se, desviando o foco da doença, outros assumem a continuidade.

A intervenção na área da saúde mental facilita o desvio do foco restaurando o lado saudável, essencial na construção de uma nova identidade.

Permitir-se repensar a história, em diferentes perspetivas, aceitando abandonar o trauma como justificação para “todos os males” é o princípio do sucesso terapêutico. Resistir é manter ativo o núcleo da doença destruindo as relações no presente e correndo o risco de o transmitir às gerações seguintes.

Todos já observamos pessoas aparentemente muito competentes, em diferentes áreas da vida, reféns de histórias, traumáticas, ou sentidas como tal, que arrastam pela vida fora a impossibilidade de alterar o ciclo. Esperam dos outros compensações desajustadas. Falo de filhos, irmãos, companheiros de vida e tantos outros que se veem obrigados a suportar a doença do outro. Há quase uma sensação de direito que vale tudo já que, um dia, alguém os terá feito sentir que não valiam nada.

Entendo que não seja fácil, em climas de afeto, ceder à vontade de proteger e compensar com carinho a doença ou perturbação mental. Contudo faze-lo em continuidade, sem o auxílio do tratamento, é aguardar sintomas mais graves e comportamentos mais desajustados que obrigatoriamente vão desaguar em sofrimento generalizado.

Atualmente a resposta da saúde mental é cada vez maior e mais diversificada. A Região Autónoma da Madeira é um exemplo a nível nacional de resposta pública de qualidade. Os cuidados de saúde primários assim como os serviços hospitalares integram um serviço de psicologia maduro e altamente competente que se construiu com grande empenho de todos os que acreditaram nos benefícios desta decisão.

De igual modo a sociedade madeirense, nas suas diversas áreas de intervenção e divulgação, nomeadamente a comunicação social, têm sido um facilitador ativo da desconstrução da doença mental como uma área obscura da saúde, motivo de vergonha e secretismo.

Não há por isso razão para não procurar ajuda. Se não for o próprio a manifestar vontade e tomar a decisão o pedido pode começar por quem está perto, disponível para participar. O caminho nem sempre é fácil e muito menos de resultados imediatos, contudo o importante é começar. Ter medo de enfrentar o doente é promover a doença e impedir a construção de uma vida potencialmente saudável, para o próprio e para todos que o acompanham.

Como em qualquer ato de amor dar colo sem limites é o mote para a infelicidade de quem o recebe e para a destruição de uma qualquer relação em partilha que se queira saudável.

Permitir-se pensar sobre tudo isto é já um bom princípio.