Desmatar a Selva de Betão
“Este ímpeto “lenhador” de desmatar a frieza, a impessoalidade do betão à nossa volta não é novidade para ninguém, nem no Funchal, nem em Paris, nem em qualquer outra parte do globo.”
Podia ser arquiteto, engenheiro ou urbanista. Podia ter frequentado a Staatliches Bauhaus ou a Escola de Chicago. Podia até ter um doutoramento em estudos urbanos e dissertar sobre as avenidas de Nova Iorque. Poder podia… Mas não é esse o caso.
Contento-me, por isso, em poder pensar a cidade, os seus traços, o seu futuro, através da minha janela e do meu dia-a-dia.
É que nos dias que correm, somos quase que empurrados para junto da discussão, somos também parte da solução, temos todos direito a dar uma “palavrinha” sobre o sítio onde vivemos ou trabalhamos. É a grande tendência quando perto de 2/3 das pessoas vive em cidades e estamos sujeitos à mudança constante do meio à nossa volta. Dessa forma, mais do que bitaites de treinador de bancada, devemos querer participar na tática da opinião, das ideias e das soluções. Do ponto de vista pessoal, reconheço o futuro com o qual sonho: quero viver numa cidade que respeite as necessidades básicas de qualquer ser, habitação, bom aproveitamento dos recursos como a água e a energia, que seja verde, limpa e equilibrada, que tenha boas acessibilidades e orgânicas de locomoção adequadas, que ofereça espaços de socialização e lazer variados, que seja cosmopolita e viva, que pulse cultura, oportunidades e sustentabilidade. Não quero mais uma selva betonizada, feita de fumo, poluição, stress e de costas viradas para as pessoas.
Quero que as cidades possam ter um pouco da sensação de como é estar na natureza ou no campo. Então, porque não tornar a cidade mais “natural”?
Este ímpeto “lenhador” de desmatar a frieza, a impessoalidade do betão à nossa volta não é novidade para ninguém, nem no Funchal, nem em Paris, nem em qualquer outra parte do globo. Edward O. Wilson, biólogo e entomologista Norte-Americano, popularizou já nos anos 60 o conceito de Biofilia, um movimento que abraça o entendimento que a raça humana tem uma ligação intrínseca ao mundo natural e que, este mesmo elo, traz largos benefícios à vivência e ao bem-estar das pessoas.
Termos meios físicos mais verdes, humanos e arborizados são claros antídotos para a “urbanite”, o caos e o sufoco depressivo de uma vida nas cidades. Fazer com que os centros urbanos ofereçam mais tempo de qualidade com os nossos, tranquilidade e bem-estar ao invés de apenas serviços, trabalho ou consumo fácil.
A chave está na “naturalização” das nossas casas, empregos, ruas e edifícios. Ter um desenho urbano mais sustentável que permita a todos nós desenvolver um estilo de vida mais perto da natureza e da importância com o seu cuidado.
Vejamos o exemplo da gigante da maçã - a Apple - onde a sua sede em Cupertino é perfeitamente integrada com o ecossistema em seu redor, um campus circular monolítico, ajardinado no seu centro com pleno contacto entre escritórios e zonas verdes de lazer.
Ou a Amazon, que prepara o seu novo “quartel-general” ao idealizar um edifício em forma de dupla hélice, completa por jardins suspensos e uma simbiose entre ambientes de trabalho alternativos e sustentabilidade urbana.
Vejo tudo isto da minha janela, com a vontade de que tantas outras janelas se possam abrir e fazer com que pensem à sua escala as suas cidades. Onde estas tendências sustentáveis das gigantes tecnológicas são seguidas por todos do mesmo modo que os iphones e as vendas online o são.
O amanhã das ruas, das lojas, das casas, dos jardins e dos passeios poderá ser mais verde, globalizado e natural, longe dos “meninos de cidade”, do comodismo e do urbano-depressismo, só depende de nós…
“Deus fez o campo, e o homem fez a cidade.” (William Cowper).
Façamos, portanto, a nossa também.