Estará a Ética a salvo em tempos de capitalismo global?
Embora seja constatável que o elevado nível de desenvolvimento que a sociedade conheceu desde a revolução industrial se deve em grande parte ao modelo económico capitalista, já que o mesmo tem vindo a liderar o desenvolvimento tecnológico entrosando-o com a globalização, a verdade é que o mesmo modelo, é responsável pelas maiores crises que a humanidade já conheceu, seja no domínio ambiental, seja no domínio económico, das quais resultam consequências sociais dramáticas de grande amplitude. Esta envolvência coloca o ser humano num contexto de interrogações, pois a ambivalência está presente quando o poder, o individualismo e a desigualdade estão em conflito com uma atitude ética. A competição imposta pelo capitalismo, encaminha o indivíduo para o egoísmo e consequentemente dificulta-lhe a capacidade de pensar socialmente. A etimologia da palavra ética tem origem no termo grego “ethos”, que significa costume, caráter ou modo de ser. Superficialmente, a palavra ética é aparentada da palavra moral, que vem do latim “moralis”, e possui, na sua origem o mesmo significado, já que nasce da tentativa dos romanos traduzirem a palavra grega “ethos”. No entanto, a ética visa e analisa os valores que alicerçam as ações humanas, enquanto que a moral, engloba justamente esses valores, podendo ser definida como o conjunto de regras que determinam os comportamentos. Apesar dos dois termos serem vistos como sinónimos de “agir bem” ou “agir corretamente”, ética e moral não são necessariamente a mesma coisa. De certa forma, a ética é uma reflexão crítica acerca da moral, sendo a moral que proporciona a base para a existência da ética. Qualquer mudança na moral, ou seja, nos valores de um determinado grupo social, interfere diretamente na ética, isto é, nas reflexões acerca dos comportamentos deste grupo. Na realidade do mundo de hoje, onde o sistema económico predominante é um capitalismo global sem freio, é identificável uma clara ambiguidade devido à sua lógica de funcionamento. A ética não se pode genuinamente instalar, porque o que move o motor do sistema é a exploração. Bem e mal, correto e incorreto, justo e injusto renderam-se a um único objetivo: sobreviver no sistema. São percetíveis os conflitos e a incompatibilidade existente, entre o conceito de ética e o sistema económico capitalista vigente, já que a ética assenta na prática do bem e numa perspetiva mais ampla, no bem estar social, e o sistema económico capitalista é um regime centrado no dinheiro, no risco e no lucro, tendo como mola impulsionadora o consumo, hoje globalizado, o qual deriva da exploração, seja de recursos naturais, seja das pessoas, concentrando depois a riqueza produzida num número restrito de pessoas. Na sua execução pode até ter aspetos e práticas éticas, embora não se possa dizer que ele seja, globalmente, um sistema ético. Vários pensadores de relevo abordaram a problemática da ética, desde a Grécia antiga, até à contemporaneidade. Sem recuarmos muito, podemos recorrer a Immanuel Kant (1724-1804) e à sua ética do dever, onde afirma que a boa vontade é a vontade de agir por dever, e este dever tem como fermento motivos subjetivos de sensibilidade e da natureza humana, colocando a moralidade na intenção do ato. Afirma também que o dever deriva da razão e engloba todos os seres humanos, bastando para a verificação da moralidade de um ato, saber se os outros indivíduos agiriam da mesma forma, como uma máxima universal, consumada no conceito denominado imperativo categórico. Naturalmente que embora todas as conceções do passado estejam datadas e como tal se enquadram num determinado contexto da história, não será despiciente levantar a possibilidade de que a atual crise da Ética ou da Moral em face do sistema económico predominante, configura com algum rigor, a rejeição e o abdicar de tudo o que constituía a essência da proposta kantiana, ou seja, a universalidade da lei moral, a incondicionalidade do dever, a imperatividade da razão sobre as propensões passionais e o primado do esforço e do mérito sobre o êxito e a felicidade. O desafio de hoje é equilibrar as práticas económicas vigentes em coerência com uma ética pública alargada, onde os interesses que sustentam o sistema possam ser acautelados, mas nunca permitindo que essa razão comprometa as ações que contribuam para a sustentabilidade, desenvolvimento e bem-estar do planeta e da sociedade como um todo.