Não é comida, é engodo
A promessa de Calado é apenas engodo, para enganar e manter por perto agora que vamos para eleições autárquicas e o partido quer manter o poder no concelho de Câmara de Lobos
Recentemente, o Conselho Internacional para a Exploração dos Mares publicou um parecer científico que confirma que a maioria dos peixes de profundidade na área da União Europeia, nas quais se inclui o peixe-espada preto, permanece em condições de vulnerabilidade e escassez preocupantes. No entanto, Câmara de Lobos pode orgulhar-se do tipo de pesca praticada, já que as técnicas usadas são artesanais e respeitadoras da sustentabilidade da espécie. Ao contrário de outras, a nossa frota espadeira não pratica a pesca de arrasto que é altamente prejudicial para as espécies e as autoridades europeias não deviam ser indiferentes a este facto.
Mas foram, já que a União Europeia, após negociações difíceis, não contemplou a renovação da frota pesqueira nos apoios para os próximos anos. É, claramente, um revés, mas não deveria ser bastante para nos deter.
Esta semana discutimos na Assembleia Legislativa Regional dois diplomas que interessam a Câmara de Lobos, nomeadamente à comunidade piscatória: um dos diplomas recomenda ao Governo da República que financie a renovação da frota pesqueira; o outro recomenda ao Governo Regional da Madeira que o faça, já que a União Europeia fechou a porta ao financiamento.
O Partido Socialista votou a favor de ambos e é fácil perceber porquê: na nossa perspetiva, o Governo da República e o Governo Regional devem conjugar esforços para manter bem viva uma arte e uma frota que é o ganha-pão de tantas famílias, e que faz parte da nossa identidade cultural.
Consideramos fundamental e prioritária a renovação da frota pesqueira, nomeadamente a frota espadeira, porque sabemos da falta de condições de higiene e segurança destas embarcações, muitas delas com 40 anos de mar. Sabemos que uma vida difícil, como é a da pesca, se torna muito pior quando se passa 15 dias ao largo em embarcações que não foram desenhadas para tal.
Há anos que a Região não investe na modernização das embarcações e na criação de condições de trabalho e de segurança de quem sai para o mar. As condições atuais de trabalho dos nossos pescadores e armadores são, de facto, más para saídas tão longas. Mas o abandono dos armadores e pescadores, em especial da frota espadeira de Câmara de Lobos, não aconteceu agora; não aconteceu apenas com a exclusão da renovação da frota do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas 2021-2027.
Este abandono acontece há décadas. Houve a possibilidade de renovar a frota regional há uns anos – oportunidade que foi aproveitada pelo Governo Regional dos Açores, mas que passou ao lado do Governo Regional da Madeira. Tivesse havido visão nessa altura e muito provavelmente não estaríamos na situação gravíssima e urgente em que nos encontramos hoje. Tivesse também o Governo da República estado mais empenhado na negociação do Fundo Europeu dos Assuntos Marítimos e das Pescas para os próximos anos e poderíamos ver já a luz no horizonte. Mas tal não aconteceu. E porque consideramos que há responsabilidades de parte a parte, defendemos que tanto o Governo Regional como o Governo da República devem assumir responsabilidades financeiras no que poderia ser a comparticipação dos fundos europeus. Tem o Governo Regional que reconhecer que já não é possível continuar à espera para que lhe resolvam o problema.
Durante o debate mensal do mês de junho, o vice-presidente do Governo Regional prometeu «encontrar uma solução» para a frota pesqueira. Mas sabemos que o anúncio de soluções antes de eleições é um clássico que depois resulta em nada. E tivemos a prova disso já esta semana porque a maioria parlamentar da direita chumbou a proposta que recomendava que também o Governo Regional contemple no orçamento de 2022 apoios regionais para a renovação da frota pesqueira. Portanto, o grupo parlamentar que sustenta o Governo veio dizer, esta semana, que o que prometeu o vice-presidente do Governo Regional na semana passada afinal não é para cumprir.
Fica bem patente a falta de vontade política do Governo Regional para resolver este problema, uma falta de vontade que dura há décadas. E se dúvidas houvesse, basta verificar que no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (a famosa «bazuca» que aí vem), os Açores reservam 32 milhões de euros para o mar, mas o Governo Regional da Madeira, que vai receber 561 milhões, reservou 0 (leu bem, zero) euros. É por demais evidente a falta de empenho do Governo Regional e dos partidos que o sustentam na defesa do setor da pesca na Região.
A promessa de Calado é apenas engodo, para enganar e manter por perto agora que vamos para eleições autárquicas e o partido quer manter o poder no concelho de Câmara de Lobos. Mas a votação desta semana deixou claro que o objetivo do Governo é o de continuar a fingir que o problema não é seu, que a renovação da frota pesqueira não é prioridade, e que o Governo não vai assumir as suas responsabilidades para com as pessoas que mantêm o setor das pescas vivo. Uma vez mais a frota espadeira é esquecida por quem governa e não há «xavelha» varado a coroar o ilhéu de Câmara de Lobos que valha quem sai para o mar. Não é comida. É mesmo só engodo.