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Quem escreve o quer, lê o que não quer

No tempo da desinformação fácil, basta-nos dar uma breve vista de olhos pelas redes sociais e deparamo-nos com inúmeras discussões de trincheira sobre tudo e sobre nada que de poesia ou romantismo têm muito pouco. Damos de frente com uma maioria de opinion-makers com um mantra muito especial entre eles: o mantra do “está sempre tudo mal e nunca nada está bem” onde não importa o assunto, o contexto ou a relevância. A finalidade é comum em qualquer temática: destilar frustração e julgar facilmente atrás de um ecrã de computador ou smartphone.

Faço, por isso, o exercício de agrupar as “personagens” que para mim compõem o debate das redes sociais em secções de características comuns tentando, é claro, não ferir suscetibilidades.

Começamos por aquilo a que eu chamo de “Alto Comissariado para a Moralidade”: não é uma dependência das Nações Unidas, não faz capa de revista com António Guterres mas podia ser francamente uma organização sólida. É que os membros honrosos desta imaginária instituição, são aqueles que policiam as redes sociais em busca do mal, espalham sabedoria de mercearia e autos de fé desde o topo das suas cabecinhas pseudo-angelicais não deixando para trás nenhum post ou discussão digital sem soltar o seu cunho do que é certo ou errado, ou de como se faz, porque no fundo estes são deveras os enviados de Deus. Depois temos o arquétipo do bem: são os Pirómanos, personagens que também têm o seu “quê” de graça, tudo porque não interessa o assunto nem o desenrolar do mesmo, o seu interesse superior é o de conseguir atingir os 710 graus fahrenheit, ver tudo a pegar lume, virar pais contra filhos, filhos contra avós, patrões contra funcionários e puros contra impuros, no fundo é jogar lenha, deixar arder a discussão e carbonizar qualquer argumento.

Não lhes façam frente, saem chamuscados.

Temos também as Testemunhas do “eu é que sei sempre” - que de religião não têm nada - mas são personagens que se assumem todas elas como putativos vencedores do “Quem quer ser Milionário”. Tudo porque reúnem em si toda a sabedoria do mundo, ou é porque têm um amigo/primo que disse ou é porque que conhecem alguém de algum lado que faz, não interessa, eles é que sabem sempre…. Partilham semelhanças com os membros do Alto Comissariado pelo simples facto de não só serem arautos do conhecimento, mas porque cada posta sapiente que atiram é acompanhada de uma lição para a vida. Por último, mas não menos importantes, temos os Hate-luencers: dou-lhes este nome porque simplesmente são uma versão 2.0 dos conhecidos haters. Já não basta espalhar ódio, é preciso influenciar e aumentar as fileiras de “odiadores”. Foco, missão e propósito, seja de que modo for, o importante é descarregar más vibes, juízos de valor e crítica maldoso - trocado por miúdos - bota abaixo pelo bota abaixo. São mais, muitas mais personagens que por aí vagueiam, mas com estas já secompunha bem um elenco digno de uma peça infanto-juvenil sobre nada. No fundo, estas são as intervenientes das guerras que não valem o preço e que jamais alguém ganhará. As discussões terminam, o computador fecha-se e o smartphone fica no descanso, voltam todos às suas vidas incongruentemente felizes. Ainda se houvesse um pouco mais de Mafalda a contestatária em todos eles e menos Maria Vieira ganhávamos todos, mas não me parece ser o caso.