Crónicas

A República das Bananas

No partido do Governo, geralmente, a democracia interna esbate-se na decisão centralizada do líder

1. A definição de República das Bananas não tem a ver propriamente com uma forma de governo, mas com os modos como este é exercido. O termo foi criado, pelo escritor norte-americano O. Henry, no início do século XX. Num conto que dá pelo nome de “Rouge et Noir”, o autor descreve um país ficcional, Costaragua, apoiado numa economia baseada na exportação de banana e num governo corrupto e desestruturado.

Tentemos então retratar, 100 anos depois, o que podemos considerar, nestes tempos que vivemos, como uma República das Bananas.

Olhemos para ela como uma metáfora. Uma metáfora que, pelas particularidades que abaixo se referem, tão bem descreve e resume o modo como deixámos que o nosso quadro político/institucional se tenha tornado tentacular e abjecto. A maioria de nós não tem confiança nas instituições e duvida da sua validade. Pouco fazemos para que as coisas se modifiquem, quando exercemos o nosso julgamento por meio do exercício do voto ou ficando em casa ao invés de tentar fazer com que algo mude.

As características centrais de uma República das Bananas são a constante instabilidade política, económica e social, a desorganização e a corrupção, sob todas as suas formas. Mas há mais:

As fake news que proliferam por todo o lado, desde a imprensa aos políticos, e que alimentam absurdas teorias da conspiração.

O culto do homem providencial, do que nos salvará de tudo o que de mau vivemos, o eterno mito do sebastianismo salvador. Não considerar os oponentes como adversários olhando para eles como se fossem inimigos, alimentando discursos de ódio e de desrespeito institucional.

Os Governos grandes, que não fazem grande coisa. O mérito e a competência não são recompensados, o culto da mediocridade é quase religioso. Tomada de decisões contrárias ao que a lei determina, sem que disso se tirem quaisquer consequências. Criar constantemente inimigos externos, para disfarçar as incompetências internas. Nem o governo olha para a oposição como necessária, nem a oposição olha para o Governo com a legitimidade que este tem.

Só há uma verdade única e absoluta, a verdade dos que exercem o poder. Uma obsessão doentia pelos pormenores, pela coisa pequenina, como meio de distrair das grandes questões de interesse de todos. O elogio fútil ao cultuado chefe é norma.

Regras que existem para todos, menos para a elite que as distorce a seu bel-prazer: “faz o que digo, não faças o que faço”.

A independência é um defeito, a dependência e a bajulação são incentivadas. Perseguição a quem se atreve a discordar publicamente ou a assumir oposição, seja por discursos de achincalhamento, seja usando a máquina do Estado para o procurar fazer.

Dinheiros públicos mal gastos, desbaratados em obras de qualidade e utilidade duvidosa, o que leva ao aumento da dívida. Culpar os governos anteriores de tudo o que esteja a correr mal, mesmo que se tenham passado muitos anos. Constante tentativa governamental de esconder dados e de os manipular, para aparecer sempre bem na fotografia. Tudo se visita, tudo se inaugura, vezes e vezes seguidas, com a respectiva plaquinha a atestar o fundamental corte da fita.

Desrespeito pelas normas da civilidade, fuga ao diálogo construtivo, deixar que na política impere a lei da selva: prevalece o mais forte e o que berra mais alto. Lealdade da elite governante que sustenta incompetências, deixando nas pessoas a sensação de que a culpa morre sempre solteira.

A corrupção, de que todos temos a percepção e que vai da mais pequena, do jeitinho, até à de altos quadros do Estado e das autarquias. Nomear para determinantes funções da administração e cargos de regulação, os amigos e os que com eles fazem o caminho, afastando os que nesses lugares criam problemas e constrangimentos. O nepotismo que grassa por todo o lado, empregando prosélitos do partido, familiares, carreiristas, etc. O Estado favorece os amigos e os que lhe são fiéis. As empresas do regime dão emprego aos que saem da política ou são fornecedoras de quadros para cargos governamentais.

No partido do Governo, geralmente, a democracia interna esbate-se na decisão centralizada do líder.

Eleitores que não têm confiança nos processos eleitorais, seja porque os números dos que podem votar não coincidem com o número de habitantes, seja porque todo o processo está inquinado e montado para beneficiar sempre os mesmos. Eleitorado altamente bipolarizado que não procura votar propostas e ideias, mas que gasta o seu voto em personalidades bem-falantes que lhes dizem o que querem ouvir. Os partidos são vistos por muitos como se fossem clubes de futebol.

Programas de ensino altamente controlados e deterministas, não deixando que as escolas tenham autonomia criativa.

Estatismo total e absoluto: tudo ao Estado e nada ao cidadão como entidade individual.

A ética e a moral são palavras vãs.

Reconhecem? Cá e lá, vivemos numa verdadeira República das Bananas.

Termino com o primeiro parágrafo de “História de Duas Cidades”, de Charles Dickens:

“Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez, foi a época da crença, foi a época da descrença, foi a estação da Luz, a estação das Trevas, a primavera da esperança, o inverno do desespero; tínhamos tudo diante de nós, tínhamos nada diante de nós, íamos todos directos para o Paraíso, íamos todos directos no sentido contrário — em suma, o período era em tal medida semelhante ao presente que algumas das suas mais ruidosas autoridades insistiram no seu recebimento, para o bem ou para o mal, apenas no grau superlativo de comparação.”

2. O deputado António Lopes da Fonseca, na passada 3.ª feira, num debate na RTP Madeira, menorizou quem trabalha na agricultura. “Diga às pessoas que devem voltar à agricultura”, como se isso fosse um desprestígio, uma actividade menor. Depreende-se que, para o deputado do CDS, o objectivo é retirar da agricultura todos os que a exercem. Deixar os campos ao abandono. Porque trabalhar a terra é um trabalho desprestigiante, um trabalho de pobres. Não é. Não é, de todo. É um trabalho digno exercido por milhares de madeirenses que nos põem na mesa produtos de qualidade.

O que temos de procurar, é proporcionar todas as condições para que a nossa agricultura deixe de ser uma actividade para “empobrecer honestamente”, como dizia o meu avô. Dar-lhe as condições e a dignidade que merece. O Governo que esse senhor apoia tem essa obrigação.

3. No passado dia 1 foi o dia de todos nós. Dos que aqui vivemos, dos que pelo mundo foram procurar o que a terra não lhes conseguia dar. Foi dia da Madeira, foi dia de todos os madeirenses.

Como se exige, em datas como estas, comemorou-se, com solenidade, na casa da democracia. Ouviram-se discursos, declararam-se intenções, enquanto o Presidente do Governo “pescava bodiões”.

E ouviram-se ditos indizíveis da boca de quem devia ter “educação” e “cultura” para perceber que o momento não era de politiquice, nem da partidarite barata a que estão habituados.

A responsabilidade do insulto é, em primeiro lugar, de quem o profere. Mas vai muito além disso. Se temos Secretários que não se sabem comportar publicamente, não são merecedores de nos governarem. E essa responsabilidade cabe a quem os nomeia e os considera capazes.

Sr. Presidente do Governo, obviamente, demita-os! Quando acordar…

4. Que fique claro que não há uns melhores do que outros. Tudo isto é o resultado de uma guerra de gente menor, com culpas de ambos os lados. Decidiram as partes que tudo os separa, quando devia ser muito mais o que os une: a Madeira e os madeirenses. Enfim… é o que votámos.