Desespero de causa
Quase todos temos razões por nos sentirmos mal. Mas vamos aguentando, sem mentir e rir
Pedro Calado tem toda a razão. Há por aí muito “desespero de causa”, bem mais do que aquele que é noticiado e visível. Houvesse mais tempo, folhas, recursos, mercado e investimento e cada dia dava um livro. Assumidamente também vivemos o drama existencial e o eterno conflito com o impossível. Não damos para as encomendas, pois são muitas as solicitações que importa atender em tempo útil e os desafios que implicam acção destemida. Há gente sem dinheiro para cobrir todas as dívidas, sem crédito junto da banca que só emprestou em larga escala a quem nunca vai pagar e sem medalhas ou comendas para exibir. Há gente que apenas pede uma forte justificação para continuar a existir, uma mão segura que resgate da incerteza e a consideração que tarda. Enquanto os políticos pedem mais e melhor Autonomia, algo mais amplo, vistoso ou evolutivo, o povo exige mais qualidade de vida e melhores salários, merecido descanso, igualdade de oportunidades, direito à diferença, respeito pelas minorias, propósitos que quer ver conquistados e, por vezes, difundidos, pois para alguns, tão ou mais importante do que conseguir é mostrar.
E por tudo isto há dramas que se agigantam numa ilha em que não são poucos os que procuram por uma simples tábua de salvação, porventura mais bóia nesta fase estival da temporada, de modo a refazerem vidas ou restabelecerem ligações perdidas.
São muitos os que desesperam, sobretudo na política.
No PSD, abundam intrigas e amuos que as cúpulas terão em breve que neutralizar. E não é só por causa de ainda não haver lista no Porto Moniz, concelho onde o candidato da coligação PSD-CDS saiu da corrida autárquica após garantir que ia até ao fim. Marco Gonçalves assume-se doente, mas também foi declarado insolvente em 2016 e a lei que regula a eleição dos titulares dos órgãos das autarquias locais determina que “são inelegíveis para os órgãos das autarquias locais (...) os falidos e insolventes, salvo se reabilitados”. Miguel Albuquerque nega haver uma encrenca para a qual contribuiu, primeiro insistindo no convite conhecendo todos os dados da difícil equação, depois sem ser capaz de desarmar a mina antes de rebentar.
No CDS, sem cartazes, contam-se os cêntimos enquanto não aparece um qualquer benemérito generoso, determinado a emprestar dinheiro para mais uma campanha, ou não ocorre o milagre da multiplicação dos escassos euros que sobram. Qualquer manhosice ou esperteza saloia será detectada. Depois daqueles empréstimos suspeitos, nada será como dantes. Mesmo que em ambiente de coligação, onde parece haver algum desnorte. O repentismo de Dinarte Fernandes, candidato centrista em Santana, ao classificar o candidato do PSD de “paraquedista” quando é bancário!, alegando estar perante um “cheque em branco" em desuso, diz bem da paz podre entre partidos. Se dúvidas houvesse a concelhia do PSD de Santana desfez, ao repudiar o que definiu como “tentativas de intimidação”. Ainda aqui vamos.
No PS, porque alguns viram menos uma vaga para o lugar que esperavam ter direito na lista da ‘Confiança’.
Desesperam também os que nos fazem rir por último, seja pelas patetices que produzem em espaço público ou pelas omissões e incoerências que revelam como pessoas ou profissionais.
Desesperam os falsos perfis que deixaram rasto e os alegados anónimos que dada a insistência com que produzem determinado tipo de prosas já se denunciaram.
Desesperam os ruminantes sem toca política, nem cenoura parlamentar, que rastejam por um lugar e uns cêntimos que dêem ao menos para a roupinha.
Desesperam os pseudo competentes incapazes de avaliar a nulidade dos desempenhos que apenas lhes rende ordenado, mas que dissertam sobre quase tudo com intuito de reduzir a cinzas os que são convidados para cargos públicos, os que são distinguidos pelos seus feitos, os que têm obra e os que trabalham.
Desespera Jardim quando ouve se lhe dirigirem como “antigo presidente”.
Desesperam os que tentam reerguer-se na hotelaria, na restauração, nas agências de viagens, nas empresas de animação, nos táxis e em tantos outros sectores ainda sem margens que permitam sonhar e, no mínimo, manter a porta aberta.
Desesperam os que acreditam no futuro mesmo que a burocracia liquide a esperança, que as novas oportunidades sejam capturadas pelos mesmos e que as moratórias cheguem ao fim.
Desesperam os que pressentem o logro perante nova vaga pandémica, certificados que não servem para quase nada e normas que nem as próprias autoridades conhecem....