Câmara de Lobos adentro, entre curvas e contracurvas, típicas da orografia do Arquipélago da Madeira, chegamos à freguesia do Jardim da Serra. Em véspera de eleições autárquicas, o DIÁRIO procurou saber junto dos Jardinenses o que ficou por resolver na localidade conhecida como a terra da cereja.
No sítio do Luzirão, encontramos o casal Sabino e Conceição, que não hesitou em falar sobre o Jardim onde sempre viveram. Aos 85 anos, Sabino Rodrigues revela que há muita coisa para ser feita, mas não tem dúvidas sobre o problema que mais assola a freguesia: “nós não temos água aqui, se houvesse uma reserva de água”, lamenta, “então aí é que era um jardim”, afirma a companheira. Segundo o agricultor já reformado, “as árvores estão ‘a levar caminho’, porque não existe água suficiente. Também há bicho, mas se fossem regadinhas não havia”, explica. Conceição Claro recorda a fertilidade dos solos e a abundância de água de outros tempos: "terrenos tão bons, de dar comida boa, já deu cenouras, já deu ervilhas. É uma pena não haver água, agora não dá quase nada".
O casal identifica outro problema na freguesia - a falta de caminho - veredas, para que os agricultores possam cuidar dos terrenos.
Não tem estrada para a gente ir mondar a nossa serra, a vereda já sumiu toda. Um bracinho de caminho já dava para fazer fazenda. Sabino Rodrigues
Mais acima, no sítio da Corrida, aos 63 anos Isilda Sá recorda as levadas existentes na zona, a bordadeira reformada sugere a limpeza das serras para, quiçá, haver mais água. “Estamos a perder tudo… quantas levadas há por aqui acima, feitas de pedra mármore, e veredas boas para lá chegar, são tantas e todas fechadas [com vegetação], deviam limpar para termos acesso, haveria também mais água para a população”, expressa.
Aqui para cima eu conto 12 poços e veredas para lá chegar, mas está tudo fechado. É carqueja, é feiteira, é eucalipto, se tivesse mondado a gente teria acesso, mas não é só a Junta de Freguesia que vai fazer. Isilda Sá
Tirando isso, Isilda, que nasceu, cresceu e sempre viveu no sítio da Corrida, considera que a população do sítio mais alto da freguesia está bem a todos os níveis: “a gente aqui em cima estamos bem do caminho, estamos bem do autocarro, em 20 minutos chegasse ao Funchal, temos dois minimercados, temos gás e temos o carro do pão”, enaltece.
Sentado num dos estabelecimentos de restauração da Corrida, encontramos José Pinto, que há 13 anos escolheu o Jardim da Serra para viver. Apesar de reconhecer inúmeras qualidades, José salienta que ainda há muito por fazer na freguesia. O trabalhador da construção civil começa por denunciar a falta de saneamento básico na localidade: “é necessário e urgente garantir o saneamento, é um bem essencial e eles andam a adiar porque tem custos”. José aponta para a necessidade de haver mais pontos de recolha de resíduos, para que a população consiga “fazer a distribuição do lixo correctamente”, bem como um depósito de água na zona mais alta, “onde se pudesse aproveitar as águas que correm para consumo humano”.
Quanto aos acessos, José Pinto demonstra-se a favor do túnel que pretende ligar o Jardim da Serra ao Estreito de Câmara de Lobos, assim como do teleférico que promete descer até ao Curral das Freiras. Mas para isso, destaca que há uma obra a ser feita - um largo próximo ao miradouro da Boca da Corrida - "onde os autocarros pudessem fazer a inversão de marcha sem fazer manobras perigosas, assim conseguiam deixar os turistas lá em cima em segurança", defende.
No centro da freguesia, na rua das Corticeiras, Maria Paula de 67 anos aproveitava o sol da manhã. À nossa reportagem, a bordadeira já reformada atira que "há muita coisa para fazer".
Em primeiro lugar o que nós queremos é uma rua que dê acesso à igreja e um estacionamento, porque quando há missa e catequese o acesso fica muito difícil. Maria Paula
O teleférico da Boca da Corrida ao Curral das Freiras não convence Maria Paula, um túnel parece-lhe a opção acertada: "não sei se isso vai ser boa ideia, o que eles vão fazer é abrir um túnel desde o Curral das Freiras até à nossa freguesia, isso eu acho bem, porque o Curral pertence ao concelho e eles para virem a Câmara de Lobos têm de ir para o Funchal".
Ainda na estrada principal da freguesia, junto ao único multibanco do Jardim da Serra, Ângela Mendes e Maribel Rodrigues dão conta do estado e dos horários dos transportes públicos. “As camionetas que fazem viagens aqui para cima são as mais velhas, as mais ruidosas, com buracos, com muita má qualidade e os horários são muito reduzidos, passam camionetas de hora a hora ou de três em três horas, isso condiciona os moradores, porque não há transporte”, acusa Maribel. A conterrânea, Ângela atesta, acrescentando que as viagens de e para o Funchal são “um terror”.
À medida que a idade avança, os idosos do Centro de Dia do Jardim da Serra enfrentam mais dificuldades para chegar às instalações, facto que preocupa Ângela Mendes.
Os nossos idosos querem vir para o Centro de Dia e não podem vir, porque são mal servidos pelas camionetas e não têm carrinha de transporte, algo que outras freguesias têm. Ângela Mendes
Por outro lado, Maribel aponta para a necessidade de criar espaços públicos para as crianças e idosos, “precisamos de um parque, um campo, lugares de lazer”, destaca.
Ângela Mendes considera que o Jardim da Serra é uma “terra esquecida”, na medida em que nunca há verbas suficientes para colmatar as necessidades da população. “Esta freguesia está esquecida, nunca há verbas para esta terra, ficamos com os restos”, protesta.