Silenciamento da dissidência e da imprensa faz pensar que a Venezuela está calmo
Denúncia de uma ONG
A Organização Não Governamental (ONG) Justiça, Encontro e Perdão (JEP) alertou domingo que o silenciamento das vozes dissidentes e da imprensa livre na Venezuela está a fazer a comunidade internacional pensar que o país atravessa uma situação calma.
"Quase seis milhões de venezuelanos tiveram que abandonar o país, consequência da emergência humanitária complexa e de perseguição política. O medo tem sido um fator fundamental, determinante para silenciar as vozes da dissidência", disse coordenadora-geral da JEP à Agência Lusa.
Marta Timeo, advogada, insiste que, apesar da repressão, "as manifestações continuam todos os dias, em todos os estados (regiões) do país".
A coordenadora-geral da JEP disse também que "nove em cada 10" protestos "reivindicam direitos económicos, sociais, culturais, ambientais, a distribuição de alimentos, serviços públicos e combustíveis".
"As manifestações continuam, mas mais setorizadas. Como a imprensa livre foi silenciada e criminalizada, não estamos conscientes de que isso está a acontecer", disse.
A coordenadora da JEP diz que durante a pandemia "ocorreram sete execuções extrajudiciais em manifestações" e que "319 venezuelanos estão presos por razões políticas".
"O medo das vítimas, a tentativa de silenciar as organizações dos direitos humanos e a criminalização do nosso trabalho tem criado a sensação de normalização. Não podemos falar de normalidade quando temos venezuelanos, ativistas dos direitos humanos, jornalistas que estão presos por razões políticas, uma crise humanitária complexa que se agudiza diariamente, e níveis terríveis de fome no país", disse.
Timeo explicou que, com a pandemia, a população enfrenta sérias dificuldades e longas filas para conseguir abastecer-se de combustível, que é vendido a preços internacionais, apesar de o salário mínimo local ser de 2 dólares (1,70 euros).
Além disso, disse que os venezuelanos se debatem com apagões elétricos e dificuldades nas comunicações.
Por outro lado, explicou que o regime tenta passar a imagem que as ONG são "agentes desestabilizadores, porque assumiram o papel de documentar as violações de diretos humanos no país e dão os a conhecer à comunidade internacional".
"Não é pouca coisa que colegas, defensores dos direitos humanos, estejam presos e, no nosso caso (JEP), agora não temos uma sede porque os donos do sítio onde funcionávamos temiam pela sua segurança", explicou.
A ONG pede "à comunidade internacional que não abandone" os venezuelanos e "que se consciencialize cada vez mais que a tragédia está a transcender as fronteiras".
"Não é em vão que muitos países da região e da Europa têm que receber venezuelanos que fugiram da crise (...) enquanto falamos há venezuelanos presos, sofrendo tortura, tratamentos cruéis, inumanos ou degradantes e cruzando as fronteiras, desesperados pela fome, e meninos morrendo nos hospitais por falta de atenção médica", frisou.
Marta Timeo alerta que, "enquanto a comunidade internacional não assumir decisões coerentes e determinantes", continuará a sofrer as consequências da crise venezuelana, sublinhando que "não tem sentido continuar o debate sobre qual o montante de ajuda humanitária a destinar à Venezuela" porque "nunca será suficiente".
"É hora de fazer, de forma determinada, sob o princípio de que falamos de um país dorido, que necessita ser assistido e acompanhado para superar a crise", concluiu.