“O Caniço é a freguesia que mais dinheiro dá à Câmara de Santa Cruz"
Moradores no Caniço queixam-se da falta de investimento e dizem que a falta de ordenamento no trânsito prejudica a todos.
A nossa 'Volta à Ilha' chega hoje ao Caniço. Numa das freguesias mais populosas de Santa Cruz, há quem aponte o dedo à autarquia pela falta de investimento e pelas obras 'fora de horas'.
Consequência do rápido crescimento, a mais populosa freguesia fora do Funchal e das mais densamente povoadas da Região, debate-se com problemas no ordenamento, nomeadamente ao nível do trânsito. Esta é pelo menos a conclusão de quem é profissional ‘do volante’ e todos os dias circula nas estradas do Caniço. Como é o caso de Carlos Quintal, motorista de táxi há 27 anos, que encontramos na praça junto ao ‘shopping’.
“O grande problema aqui no centro do Caniço são os estacionamentos”, começa por apontar. Em causa os muitos estacionamentos na via pública, sobretudo de moradores. Devido aos muitos apartamentos e ao facto de muitas das famílias terem mais de um carro, a solução passa muitas vezes por deixar os carros na rua. “Há grande desorganização a nível de trânsito, também devido à pouca fiscalização”, conclui o motorista. Aqui passasse um dia inteiro e não se vê um polícia passar aqui”, reclama.
Na opinião deste canicense, tal explica-se porque “o Caniço teve muito desenvolvimento para as infra-estruturas que tem”. Mas não apenas. Faz reparos à governação autárquica e ao alegado pouco investimento público na freguesia mais lucrativa do concelho.
“O Caniço é a freguesia que mais dinheiro dá à Câmara de Santa Cruz e praticamente nada é feito aqui”. Classifica de “pouco investimento” as “obrazinhas” que vão surgindo, ao mesmo tempo que conclui que tal mesmo assim só acontece “quando há eleições”.
Uma das obras em curso na freguesia é a controversa requalificação da Promenade do Caniço de Baixo. “É uma vergonha o que se está a fazer” diz, referindo-se à empreitada nos Reis Magos. “Bem sei que aquilo é uma obra complicada no Inverno, mas tivemos a pandemia [para poder intervir] mas deixaram para agora, que é época balnear”. Razão para contestar o timing, tendo em conta os fortes constrangimentos que provoca numa zona de grande densidade populacional.
“Não era a altura ideal para fazermos. Não estava assim tão mau que não pudesse aguentar mais uns meses e só começar no final do Verão. Não agora, em pleno Verão, fazer aquela requalificação. Tá mais do que visto que é para mostrar trabalho”, concluiu, em jeito de reparo que soou a critica de aproveitamento eleitoral.
O ‘taxista’ dá também voz às recorrentes queixas sobre a ‘armadilha’ que são as duas ‘ilhas’ no centro da estrada defronte ao Caniço Shopping.
“Toda a gente já reclamou daquilo e a Câmara não faz nada. Houve uma altura que quase todos os dias tirávamos um carro de cima daquelas ‘ilhas’. São tantos os acidentes ali que a Câmara já devia ter tomado uma atitude porque aquilo é uma ‘ratoeira’. Basta a mínima distracção”, avisa.
Lamenta também a falta de serviços essenciais. “Agora já temos a Loja do Munícipe, mas ainda falta muita coisa”. Por exemplo? “Quem precisa de tratar qualquer assunto na Repartição de Finanças tem de ir a Santa Cruz, o que não é fácil. Deviam centralizar mais serviços aqui na freguesia”, ao lembrar que em 2011 (Censos) “erámos 7 mil [habitantes] a mais que o resto do concelho todo”. Considera que também faz falta ter na cidade do Caniço, em permanência, polícia e bombeiros.
“Se temos algum problema e chamamos a polícia, é ‘uma eternidade’ a chegar. Os bombeiros é a mesma coisa”. Morador no Caniço
Também porque “têm de ir à cabeceira do aeroporto para vir para cá”, o que atrasa a prontidão. Argumentos para fundamentar que deveria haver no Caniço “pelo menos uma dependência” destes serviços essenciais.
Sérgio Gama, outro motorista de táxi, reforça a ideia do colega. “Um posto de polícia é uma reivindicação já antiga. A Camacha, por exemplo, tem, devido aos problemas conhecidos, mas aqui o Caniço, pela densidade populacional que tem, também merecia ter cá um posto de polícia. Pelo menos para garantir maior proximidade”.
José Quintal e Maria Góis, um casal de septuagenários, ‘desceram’ à cidade para tratar de alguns assuntos.
Residentes “lá em cima, na Ribeira dos Pretetes”, o casal não tem razões de queixa das condições que a freguesia oferece.
“Da minha parte está tudo bem”, disse ele. “A gente vive-se com o que se tem”, ripostou ela.
Depois da desconfiança inicial, Maria dá nota que “eles agora estão a ‘esbarrar’ (arranjar) os caminhos todos. Mas é para ficar bem. Se não fosse assim, se fosse para piorar, eles não ‘esmigalhavam’”, justifica. Como tal, “o que é que se vai reclamar? Para quê?”, questionou.
“Desde que vá dando para comer não se precisa de mais coisas”, complementou o marido que prontamente concluiu: “morre ricos, morre pobres, morre tudo”, concretizou.
O casal a viver da reforma e do que a terra dá, diz não ter razões de queixa.
“Nunca tive uma vida tão boa como agora. Não faço nada”, afirma José. Conta ainda assim que antes tivera “uma vida meio amargurada. Trabalhei 16 anos na obra de vimes, trabalhei 35 anos e tal em pedreiro na Câmara do Funchal e agora estou em casa reformado fazendo o que quero e entendo”. Dá conta que para se entreter, faz colheres de mexer, piões e carrinhos de madeira. “Também vai-se passando algum tempo no café”, atira a mulher, entre risos que a máscara não esconde. “Temos de levar isto a brincar. Para quê se aborrecer”, diz antes de retomar o passo para mais uma volta antes do regresso a casa.