Crónicas

Caça ao abuso

Estamos na fronteira do terceiro mundo. Parecemos a Angola da Europa. O IRC das grandes empresas que paguem estas golpadas. Nunca o IRS do povo

Pelo que se vai percebendo Portugal tem um emaranhado de abusos, cumplicidades e golpadas de toda a espécie que irão ocupar o debate nacional por muito tempo. Ninguém fica insensível ao que diariamente se vai sabendo.

Afinal vivemos vinte anos num forrobodó financeiro e empresarial que hoje permite, com clareza, distinguir os verdadeiros e honestos empresários da escumalha que ajudou a derreter dinheiro que não era seu e que por todos nós está a ser pago.

Gente que diz só ter uma garagem ou um palheiro beneficiou de créditos bilionários ruinosos para todos nós. Como pode um pobre português ser chamado a assumir esta despesa ?

O “fundo de resolução” apenas devia ser suportado pelo IRC das grandes empresas portuguesas. Nunca pelo IRS do povo. Veriam a pressão para que nada disto acontecesse. Mas como o povo é que paga... a “festa” continua.

Temos muita gente envolvida nas decisões que conduziram ao precipício financeiro. Alguns estão presos, outros detidos para início de averiguações, mas a maioria está imune à perseguição policial. Jápassou demasiado tempo, a justiça é muito lenta e as prescrições são a primeira bóia de salvação dos bandidos. Ou seja, a legislação feita pelos políticos em matéria de prescrições é a que salva a gatunagem.

Ver deputados, de esquerda, centro e direita, a inquirir a fina flor da vilanagem que abusaram ao abrigo das leis feitas por esses próprios deputados, é fazer de todos nós uns miseráveis patetas.

Temos um banqueiro condenado (BPN), outro que vai ser julgado (BES) e parece que mais ninguém da banca teve alguma coisa a ver com a insanidade financeira de uma época.

Julgar Joe Berardo e Luís Filipe Vieira é mediático mas não resolve tudo. Não é esponja que se aceite. Fazer acreditar que os empresários privados são os únicos responsáveis por tudo o que vamos sabendo é isentar o edifício político e público das suas enormes responsabilidades. Uma coisa é ser assaltado um banco bem seguro, considerado inexpugnável e protegido por competente gestão. Outra é abrir as portas dos bancos à pirataria e ao saque bancário sem reparo nem denúncia.

Ainda hoje estou incrédulo com a passividade do Banco de Portugal e dos sucessivos ministros das finanças. Mesmo sem detenção, deviam ser chamados às autoridades e logo se apreciariam as suas culpas no cartório. É prejuízo a mais para tanta impunidade. Não podem ser importunados ? Quer queiram quer não o seu envolvimento é inegável e justifica averiguar as suas decisões. Não foram Berardo e Vieira que assinaram, em nome dos bancos, os empréstimos e as respectivas condições contratuais.

É incrível que, depois de tudo o que já se sabe, a Assembleia da República e o Governo, ainda não terem feito legislação e regras que impeçam, ou pelo menos dificultem, a repetição deste regabofe financeiro. Anda tudo encolhido, ou será que em Portugal tudo isto não tem cura e solução ?

Ao menos fixem as penas de prisão para o dobro, cortem para um ano o máximo de tempo para início do julgamento e podem estar certos que alguma coisa vai mudar.

Sem esquecer os advogados, verdadeiros especialistas em legalizar tudo o que é proibido.

Exigir de um povo, que não tem dinheiro para o mínimo necessário, o suporte destes desmandos, sem processo judicial rápido e castigo exemplar, é gozar com o pagode.

E todo o custo destes processos judiciais, que se arrastam por dez e mais anos, são, ironicamente, pagos pelo povo trabalhador.

Estou a lembrar-me de terem assaltado a minha casa e a polícia insistiu em ouvir a minha empregada e até ter perguntado pelos namorados das minhas filhas. Nos processos Berardo e Vieira não sei se ouviram tanta gente.

Estamos na fronteira do terceiro mundo. Afinal de contas parecemos a Angola da Europa, ainda que nesse país africano tenham começado primeiro que nós a caça ao abuso descarado.

Sem dúvida que os portugueses levaram toda esta cultura de ilegalidade e corrupção para o Brasil e Angola.

No fundo, os nossos grandes empresários, aqueles que todos tinham como referência de sucesso, não passam de embustes agora em aflição.

Para a minha geração é uma vergonha inaceitável que os nossos empresários de referência se apresentem como a chaga de uma época.

Finalmente, ser mais “esperto” que os demais, deixou de ser vantagem.

Vale a pena ler o que escrevi neste Diário, em 23 de Abril de 2019, com o título “Joe Berardo”.

Euro e Mundial

Foi uma tremenda desilusão a eliminação precoce da nossa seleção. É óbvio que numa competição desta envergadura, num final de época atípica e exigente, os jogadores portugueses seriam os mais fatigados e precisados de descanso. Têm muita habilidade técnica mas a resistência atlética não é atributo que se reconheça. As nossas principais estrelas jogam em clubes estrangeiros de alta competição que tiram dos jogadores toda a capacidade física disponível em prol dos seus objectivos. Tudo para o clube, nada para as seleções .

Não pudemos contar com a maioria em forma apreciável. E isso foi fatal. A própria Bélgica sofria e sofreu do mesmo mal.

Ganhou a ronha e matreirice italiana.

No mundial do Catar já assim não será. Temos muitas mais hipóteses. A competição realiza-se entre Novembro e Dezembro. É natural que o campeonato nacional seja suspenso no final de Outubro para a necessária preparação da seleção. Todos os jogadores estarão em plena forma e capacidade física. Os outros e os nossos, ao contrário do Euro onde éramos claramente os mais prejudicados.

Se Cristiano Ronaldo ainda comandar a equipa, temos muitas boas chances de ser bem sucedidos.