Virgin Cuba Libre
Para aqueles que desconhecem a génese do cocktail cuba libre, o mesmo teve como origem o apoio do Estados Unidos a Cuba
Parece que novamente os estreitos limites da “liberdade comunista” são testados e mais uma vez descobrimos aquilo que todos já sabemos: apesar dos muitos coágulos que se vão formando à volta do coração do comunismo latino-americano, o mesmo continua a possuir sistemas de repressão sociopolíticos mais que eficazes. Estranhamente, este é um assunto que pode ser analisado através do famoso cocktail cuba libre, cujos ingredientes principais são o rum e a Coca-Cola.
Para aqueles que desconhecem a génese do cocktail cuba libre, o mesmo teve como origem o apoio do Estados Unidos a Cuba aquando da sua guerra de independência do jugo espanhol. Logo, se juntaram a Coca-Cola, ícone americano, e o igualmente famoso rum cubano numa bebida que se tornou internacionalmente conhecida e apreciada. Nos dias de hoje, em termos metafóricos, assistimos à dominância da ideia de que apenas se consome a modalidade “virgem” (sem álcool) do cocktail, ou seja, apenas Coca-Cola porque, como é sabido, tudo o que possa acontecer de politicamente indesejável para o Governo cubano é da responsabilidade do Governo dos Estados Unidos e da “Agência”, jamais dos tiques autoritários castristas. Já qualquer um que discorde disso é antirrevolucionário como o dizem o Governo de Díaz-Canel, descendente intelectual de Raúl Castro, e todos os seus apoiantes nacionais e estrangeiros. São essas as maiores armas que a cúpula autoritária cubana usa para se manter no poder: a desinformação e a censura de quem, na perspetiva dos populistas, não subscreve os princípios revolucionários cubanos de 1959.
A fim de tornar toda esta mistura mais letal junta-se ainda o desinteresse internacional perante a violenta repressão dos direitos humanos dos cidadãos cubanos (veja-se, a incoerência de Cuba ter assento no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas ao lado de outros governos igualmente repressivos como o da China). No fim, é falsamente concluído que é um cuba libre mal preparado porque foi feito com muita cola de marca branca e que foi posta em demasia quando na verdade tinha pouca cola, muito rum e vários ingredientes que nunca foram parte da receita original. O resultado são um conjunto de governos embriagados na região (na Venezuela e Nicarágua, por exemplo) e outros à distância a dizer que é a melhor bebida que se pode beber (Governo de Putin).
Contudo, aquilo que é expectável com base nos eventos mais recentemente observados na Venezuela é que o mundo continue a beber deste cocktail maligno que se disfarça de cuba libre, de uma suposta Cuba verdadeiramente democrática e livre. Tanto por cá, como por lá, como por outros sítios existirão sempre apoiantes de autoritarismos disfarçados de falsos humanismos que apenas pretendem o prolongamento de agendas políticas desprovidas de qualquer sentido moral ou empático. A democracia não vê a cores e o reconhecimento de direitos individuais continua a não ser uma posição política. É sim a base estrutural de toda a posição política e a sua inexistência equivale a tirania pertencente ao passado, não à atualidade. Nesse sentido, sejamos mais críticos em relação àquilo que é óbvio, mesmo que esse óbvio tenda a (des)favorecer as posições políticas que já subscrevamos. Importa lembrar que é possível ser de esquerda sem apoiar autoritarismo de esquerda e ser de direita sem apoiar autoritarismo de direita.