Crónicas

O pântano

Ao olhar para a situação político-futebolística, mais a “cena covídica” em fundo, duas imagens se apresentam, recorrentes: a do pântano, e a das areias movediças. Admito que, pelo meio — a imaginação cruzando-se com a memória — me saiam ao caminho velhos filmes de aventuras, algures entre o vetusto Tarzan e os (ainda não muito velhos) Salteadores. Há florestas, abismos, caminhadas arriscadas, lodaçais onde é difícil orientar-se; mais cá, mais lá, surgirá um poço de areias movediças. O pântano é um lugar insalubre: águas paradas, raízes à tona, restos de animais atravacando o caminhar, por vezes um crocodilo ronda a sua sorte. Avança-se alguma coisa, mas dá a impressão de só se patinhar, sem sair do sítio. Porém, cair nas areias movediças é praticamente morte certa: quanto mais o desgraçado esbraceja, mais se afunda. Se uma hipótese de salvação surge, é sempre “in extremis” (para que a cena possa justificar o herói).

Dá para (sobre)viver no pântano, politicamente? Dá, mas não é a mesma coisa: tudo se complica, há empecilhos e armadilhas por todo o lado; e a cada passo em frente, dois atrás. Por isso, há uns aninhos, o “tio” Guterres recusou continuar no que ele designou “o pântano”, que era uma situação política pouco saudável e um bocado deprimente, do tamanho do país; e lá partiu ele para mais verdes e ensolaradas pastagens. Só que... o pântano ficou. E nele permanecemos e a custo nos movemos.

No meio do citadino recrudescer do covid — malditas estirpes que não dão descanso, mais a parafernália das medidas, a cada quinze dias criadas, esquecidas, renascidas —, vai um lamento ensurdecedor do turismo (e da economia em geral) pelo verão quase perdido. Grossas nuvens negras se perfilam no horizonte. Retornado à capital depois de presidir às europas, o governo lá vai carregando a cruz dos números, mais o famigerado quadrado vermelho. O Presidente nem quer ouvir falar em confinamento, avançou mesmo com uma discreta “canelada”. Pois então: “Há vida para além da pandemia”, dixit. Mais sonso que magoado, o nosso Primeiro responde: “Mas é preciso chegarmos lá vivos”. Óbvio: a bazuca dos milhões já começou a disparar, o governo está prestes a “ir ao banco”, e depois é só acreditar no milagre do PRR nos tirar do marasmo da recessão (ou do pântano). Mas, não é que o Presidente, reunido com as duas grandes associações empresariais do país, critica (em surdina?) a fraca ambição do PRR, e não se cansa de alertar para a boa aplicação (e fiscalização) desse dinheiro (“billions”, diria o Joe) em projetos (e não subsídios) de crescimento da economia? Óbvio: falta um mapa para sobrevivermos na travessia do pântano.

Eis que surge, inesperado, o tal “poço” onde agora esbracejam em agonia antigos “luminares” da pátria. E cresce o tumulto nas hostes (partidárias e mediáticas), em esforço por um socorro. Mas, alguém recorda as pestilentas “comissões de honra” em que governantes impolutos aparecem no retrato (delet, delet) a legitimar futebóis que são “uma nação” ... Entretanto, o “boy” bancário que iria gerir a bazuca, é “cancelado” ... E o amado líder tenta avançar lesto no pântano: a política não pode ser a gestão de “casos e casinhos”, dixit — como se o armário socialista não estivesse atulhado deles.

Política, banca e futebol: à beira do poço de areias movediças, o medo, não a vergonha, cerca os três — é com certeza um pântano português!