Investigação PREMIUM na Madeira
Em 2018, a Universidade da Madeira (UMa), através do Centro de Química da Madeira (CQM), começou a colaborar num consórcio internacional com vista à exploração dos benefícios de açúcares e bactérias para a promoção da saúde e do bem-estar. Neste projecto, de nome PREMIUM, grupos de 5 países (Portugal, Espanha, França, Reino Unido e Argentina), estudam a “Preservação de Microorganismos pela Utilização de Mecanismos de protecção envolvendo oligossacáridos”. O interesse deste estudo conjunto é melhorar ou desenvolver processos industriais para a protecção de bactérias produtoras de ácido láctico durante o seu armazenamento, maximizando a sua acção probiótica junto do consumidor, eu e você - o público em geral.
A cada um dos 8 parceiros deste projecto foi atribuída uma tarefa ou um papel a desempenhar, para a concretização do nosso objectivo, tirando partido das áreas de especialidade de cada um. Ao grupo de investigação que eu integro no CQM, chefiado pela Professora Paula Castilho, coube a obtenção de açúcares a partir de plantas. Quando falamos, no dia-a-dia, em açúcares, pensamos talvez nos mais conhecidos e mais simples, como a sacarose, a glucose, a fructose ou até a lactose; contudo, os açúcares são uma classe de moléculas bastante extensa, diversificada e com muitos (mas mesmo muitos) compostos diferentes. A fructose e a glucose são açúcares simples e são classificados como monossacáridos – mono, um; sacárido, açúcar. A sacarose, por sua vez, é um dissacárido (dois açúcares), e é composta por resíduos de uma glucose e de uma fructose. Neste projecto interessa-nos apenas uma pequena parte desta classe de moléculas, nomeadamente oligossacáridos (açúcares de tamanho reduzido) ricos em resíduos de fructose, os fructo-oligossacáridos (ou FOS), e os galacto-oligossacáridos (ou GOS), que possuem resíduos de galactose (um outro monossacárido) na sua composição. Estes FOS e GOS podem ser encontrados em várias plantas, muitas usadas para consumo humano. Os FOS existem, por exemplo, na banana, na alcachofra, na chicória, no alho, no agave, entre outros. Ao ingerirmos grão-de-bico, lentilhas, feijão e outras leguminosas, por sua vez, podemos consumir os tais GOS. Estes açúcares, oligossacáridos, no projecto PREMIUM são usados pela mesma razão que nós os consumimos, seja ao ingerir as plantas onde eles podem ser encontrados, seja na forma de suplementos alimentares, como pós para a preparação de bebidas energéticas ou, por exemplo, quando são incluídos em formulações de leite em pó. Consumimo-los pelo seu potencial prebiótico, significando que favorecem e promovem o crescimento e desenvolvimento de bactérias probióticas, presentes no nosso tracto gastrointestinal, que são benéficas para a nossa saúde. Estas bactérias auxiliam o processo digestivo ao fermentar e consumir aquelas partes dos alimentos que nós não conseguimos digerir, possibilitando que tenhamos acesso a compostos com impacto positivo na nossa saúde que estejam presentes nos alimentos, mas que pela nossa digestão “normal” não conseguimos aceder.
Nos trabalhos desenvolvidos na UMa pelo nosso grupo de investigação, foram estudados os açúcares extraídos a partir do grão-de-bico, do feijão, da banana e de uma batata característica dos Andes, chamada yacon. Diversos processos de extracção foram aplicados, estudando diferentes pré-tratamentos das amostras, e variando os solventes, as temperaturas, e outros parâmetros experimentais aplicados. Os FOS e GOS obtidos foram analisados por técnicas analíticas adequadas, particularmente pela cromatografia líquida de alta pressão com recurso ao detector de índice de refracção (HPLC-RI), podendo-se, assim, descobrir o tipo e a quantidade de cada açúcar presente numa amostra, visto que cada amostra pode incluir, por exemplo, glucose, fructose, sacarose e vários FOS em quantidades variáveis. Particularmente, a partir da batata yacon foi possível obter um FOS de cadeia muito longa, a inulina, que pode possuir até 60 resíduos de fructose. Como estamos interessados em FOS e GOS que possuam entre 3 e 5 resíduos de monossacáridos, utilizou-se o processo de hidrólise para, a partir da inulina, obter FOS mais pequenos. A hidrólise consiste em “cortar” as ligações entre diferentes resíduos de açúcares, aumentando o número de compostos obtidos, mas diminuindo o seu tamanho. Para isto, utilizou-se a enzima inulinase, envolvida em esferas de alginato de cálcio, para que a enzima possa ser facilmente recolhida e reutilizada. Por fim, com a mesma técnica do alginato de cálcio, imobilizou-se, a enzima â-galactosidase, e explorou-se a síntese de GOS a partir da lactose, adicionando resíduos de galactose a moléculas de lactose, aumentando o tamanho deste açúcar.
A nossa missão termina com o envio das amostras por nós obtidas no Laboratório de Química Orgânica e Produtos Naturais do CQM, após serem devidamente caracterizadas, para os parceiros do projecto PREMIUM. Os colegas dos outros grupos utilizam as nossas amostras em ensaios com as bactérias lácticas probióticas, de forma a avaliar o potencial prebiótico das misturas de oligossacáridos obtidos cá na Madeira. Ou seja, avaliam se os açúcares por nós obtidos são capazes de promover o crescimento das bactérias, se são capazes de as proteger durante processos de congelamento e desidratação, entre outros.
De forma geral e resumida, este tem sido o contributo da Ilha da Madeira, através do trabalho de uma pequena equipa de investigadores do Centro de Química da Madeira, da Universidade da Madeira, para o desenvolvimento de conhecimento e de tecnologias com impacto na saúde e bem-estar da população ao abrigo do projecto europeu PREMIUM. Este projecto também possibilitou/a o intercâmbio de investigadores pelos vários centros de investigação e valoriza a troca de conhecimento e ideias entre todos. Vários equipamentos, materiais e reagentes foram também adquiridos no âmbito deste projecto, apoiando o trabalho desenvolvido pela nossa equipa de investigadores agora e no futuro. Muitos alunos desenvolveram os seus estágios finais de licenciatura e mestrado com temas relacionados com este projecto, adquirindo conhecimentos científicos e sobre o funcionamento de projectos com financiamento europeu.