Ensaios sobre a censura
Soube-se que a imprensa portuguesa perdeu mais de 22 milhões de euros no primeiro semestre deste ano devido à partilha ilegal de notícias. Um roubo com a marca da pirataria estranhamente tolerada que não só difunde à borla em grupos do Telegram e do WhatsApp conteúdos que não lhe pertencem, como ainda se gaba desse expediente execrável em páginas que os menos atentos ao fenómeno lhes cedem. Um atentado mais do que consentido por quem tem responsabilidades no sector e com cúmplices em várias frentes.
Os reguladores e os defensores de quem trabalha, sempre muito atentos a vírgulas e enquadramentos, ângulos de reportagem e posturas éticas, ágeis nas recomendações e pareceres, se quisessem ser úteis e influentes já tinham vindo a terreiro circunscrever um problema de proporções inimagináveis e meter na ordem os delinquentes que atentam contra os direitos de autor.
Mesmo que essa tarefa dê trabalho e chatices, as doutas entidades também podiam posicionar-se sobre a usurpação de conteúdos pagos por parte dos que acham que basta citar para apropriar-se num ápice daquilo que tem valor, mas que é difundido levianamente.
Se a lei não funciona, tem que ser mudada e depressa. Mas o que andam a fazer os deputados que em breve vão de férias? Estão à espera que deixe de haver jornais e que assim acabem incómodos? Não notaram ainda que, neste processo, o Estado também é lesado pois arrecada menos receita fiscal? Não sentiram que a democracia que vos elegeu fica mais frágil com desleixos que atentam contra o futuro dos meios de comunicação social?
Na antecâmara da entrada em vigor da Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, já no próximo sábado, a nata parlamentar dedica-se a salivar por antecipação face à decisão que configura censura, aprovada quase por unanimidade na República, e que entre outros expedientes permite à ERC definir o que é verdade e o que é mentira, por via da “criação de estruturas de verificação de factos por órgãos de comunicação social devidamente registados” e do “incentivo à atribuição de selos de qualidade por entidades fidedignas dotadas do estatuto de utilidade pública”.
Esta gente da política age como se o jornalismo não fosse já exageradamente escrutinado e como se nada tivesse a ver com a desinformação que produz em larga escala, recorrendo a perfis falsos, mecanismos de intoxicação ou até proferindo disparates.
Esta semana ouvimos o deputado socialista madeirense Victor Freitas garantir que “no momento em que a imprensa está nas mãos de privados, cruzando acções e uniformizando conteúdos, é importante termos um serviço público que está acima de acções económicas e interesses empresariais”.
O senhor deputado quer a imprensa toda nas mãos do Estado, pois na sua óptica, é o único que garante a independência, a imparcialidade e o rigor. Povo enganado. A razão é outra. O parlamentar quer a imprensa submissa e controlada, permanentemente entretida com um sem números de obrigações. Na prática, quer da mesma fazer o que faz com os meios públicos, obrigados a dar-lhe tempo de antena, mesmo que não tenha nada para dizer.
Desconfia-se que o senhor deputado, para além de não ler jornais, não distinga o original do plágio, uma primeira mão do requentado, o exclusivo que dá trabalho e da agenda que lhe dá jeito. Basta que veja televisão.