E quando havia ovnis?
A minha geração, entusiasmada pelo Espaço 1999 e o Caminho das Estrelas, não perdia uma história que metesse ovnis
Os anos 70 foram estranhos em muitos sentidos e não apenas por causa das roupas e das ideias políticas. O mundo estava dividido entre americanos e russos, comunistas e fascistas, os hippies e os outros, as pessoas normais. E até essas, assim como o meu pai e a minha mãe, vestiam camisas de colarinhos grandes e sapatos com salto.
A moda unissexo apanhou-nos, ao meu irmão e eu que, no Laranjal, a igualdade de género chegou nessa forma económica de gerir a roupa. De uma certa maneira a revolução fazia eco no Laranjal onde, por ser um lugar ainda rural, as histórias de ovnis e extraterrestres faziam par com os bruxedos e as feiticeiras que, volta e meia, apanhavam uns bêbedos, quando passavam de noite numa cruz de caminho.
A minha geração, entusiasmada pelo Espaço 1999 e o Caminho das Estrelas, não perdia uma história que metesse ovnis e, nessa altura, os jornais e a revista das Seleções Reader Digest davam grande cobertura ao fenómeno. E lembro-me de pensar como seria se, num dia de noite, na volta da casa das minhas tias, nos calhasse ver aterrar um ovni e de dentro saísse uma criatura de outro planeta.
A minha mãe dizia que isso era tudo história, que o risco de andar de noite não incluía naves espaciais vindas das estrelas. E, a regra aplicava-se às bruxas e às almas do outro mundo: só eram vistas por bêbedos e por quem tinha de explicar o motivo de chegar tarde a casa. Era uma arte, esta de desmontar medos, os meus medos, mas o apelo do mistério, a ideia de que podia haver gente algures no céu, numa daquelas estrelas por cima da cabeça tinha um poder incrível sobre mim.
E havia uma quantidade enorme de americanos que tinham visto, tanto ovnis como extraterrestres e não me parecia possível que estivessem a mentir. As pessoas viam e eu também queria ser uma das eleitas, uma escolhida para contar como era o interior de uma nave ou para guardar uma mensagem ao mundo. O meu irmão costumava dizer que, se fosse com ele, não teria medo. E eu não queria ficar atrás. Foi assim que ganhei coragem para agarrar lagartixas com mão.
Nunca precisei de ganhar coragem para entrar numa nave. Pelo menos numa de verdade que, aquela que montámos no palheiro não era a valer, embora desse a ideia de estarmos no espaço e metesse medo os monstros que fizemos em caixotes de papelão. Sei que, se uma nave tivesse aterrado no jardim, teríamos entrado para ver como era. Juntos não tínhamos medo de nada, nem de ovnis.
Os objectos voadores não identificados acabaram por desaparecer por si. Os americanos deixaram de os ver, os avistamentos desapareceram das páginas dos jornais até ser apenas piada, uma conversa de malucos. Nos anos 70, entre as calças à boca de sino, a revolução e o homem novo que dela nasceria, ver uma luz estranha no céu e contá-la depois era entrar na categoria de tocado por Deus, de herói escolhido.