Qual a intenção?
Agora que já cessaram as comemorações de mais um 10 de junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas – este ano com ilustre destaque para a Região Autónoma da Madeira, mas em particular para a primeira cidade atlântica (o Funchal) que recebeu as mais altas figuras do Estado – , nos próximos meses avizinha-se enérgica e violenta atividade política para a eleição dos Órgãos das Autarquias Locais, marcada lá para finais do mês de setembro (tudo indica que será a 26). O retorno das celebrações à rua, com as tradicionais e desejadas grandes “molduras humanas”, os passeios a pé e abraços (agora sem beijos), as pequenas conversas e as famosas (e inevitáveis) selfies que quebram o protocolo e os planos de segurança, em suma, tudo aquilo que foi abundantemente noticiado nestes dias pela imprensa regional, nacional e até internacional (e que não poderia ter sucedido nos mesmos moldes em território continental), fez as delicias não só de um povo insular distante dos grandes centros de decisão, como de um Presidente da República que voltou visivelmente ao seu “habitat natural”, que é popular e que deseja (e ama) estar entre (o seu) povo e ao qual prometeu voltar já em 2022.Mas o terceiro trimestre de 2021 reserva-nos, decerto, grandes novidades. Talvez o mais acertado seja afirmar que nele espera-nos “o melhor e o pior que a política tem para oferecer” aos cidadãos e eleitores, apesar de muitos já terem desistido de participar e votar. A caça ao voto será intensa, pois não há vencedores nem derrotados antecipados e ninguém vai ser “morno” nos ataques e argumentos que tem preparados contra os mais diretos adversários – a que se juntarão alguns factos/“escândalos”, que por enquanto estão guardados numa qualquer gaveta e reservados para o timing preciso –, na medida em que o fascínio, desejo e paixão pelo poder (por mandar) está em todos aqueles que são candidatos, alguns inclusive “embriagados pelo poder” e julgando-se acima do bem e do mal! Velhas, repetidas, “gastas” (e algumas novas) promessas estarão de volta, e aos cidadãos atentos e preocupados (ou não) com a res pública (coisa pública) sobeja escutar atentamente as ideias e escrutinar os programas, propostas e compromissos assumidos pelos candidatos, para posteriormente tomarem a melhor decisão no dia em que vão escolher quem os governará (e representará) nos próximos 4 anos. Ora, na cidade do Funchal há um candidato apoiado por duas forças políticas que quer regressar aos Paços do Concelho e liderar (agora) a maior autarquia da Madeira. Dito de outro modo, há um proponente – que ainda é o Vice-Presidente do Governo Regional da Madeira –, que desiste do projeto que abraçou em 2017 (e de novo em 2019), para tentar liderar uma autarquia que deixou em 2013 com dívidas superiores a 100 milhões de euros e um prazo médio de pagamento a fornecedores que superava, na altura, os 400 dias, para não mencionar a assinatura de dois contratos swap (com o ex-BES e Barclays), que só em três anos lesaram a autarquia em quase um milhão de euros. Mais: este é, agora, o Vice-presidente de um Governo Regional que foi recentemente condenado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal por ter retido as transferências do IRS de 2009 e 2010 a sete Câmaras da Madeira, num montante que ascende a 9 milhões de euros (decisão com a qual concorda, mas da qual vai recorrer pois alega que “a verba terá de sair do Orçamento de Estado”). É simultaneamente alguém responsável pela maior taxa de desemprego do país no último trimestre de 2020 (a RAM foi a única a superar os dois dígitos [10,7%]), um aliado da drástica quebra da natalidade na última década (apenas 1830 nados-vivos em 2020), responsável pela maior taxa de risco de pobreza do país que ascendeu aos 32,9% (mais 0,7 pontos percentuais em relação a 2019), pelas 19.700 cirurgias em lista de espera e 44.600 consultas por agendar (números do final de 2020), para não falar dos 30% da população madeirense (cerca de 88 mil cidadãos) inscrita nos Centros de Saúde que continua a não ter acesso a médicos de família… factualidades que pouco importam nos momentos da campanha política e em políticos que dominam a práxis de “assobiar para o lado”. No entanto, estamos perante o cidadão, agora na condição de candidato, que não tem muitos dias declarou querer para o Funchal o “melhor”, “esperança”, “crescimento”, “investimento”…, que nos garante uma cidade “limpa” onde as pessoas “vivam com dignidade”, tenham “o prazer de trabalhar” e “tenham futuro”, para si e para os seus filhos! Palavras – e promessas – de ocasião, que ficam sempre bem diante da imprensa e de algum eleitorado menos experiente! Porém, ficou pendente a pergunta essencial: qual a real intenção desta candidatura ao Funchal? Diz o candidato que não vem fazer “uma perninha”, mas que se trata de “um compromisso para quatro anos”, ou seja, até 2025. Mas com que propósito assume tal compromisso? Se pudéssemos aqui antecipar ou imaginar o comentário (e a análise política) de alguém da sua esfera político-partidária, por exemplo, Luís Marques Mendes, talvez este anotasse que Pedro Calado está a preparar o seu futuro político e a sucessão de Miguel Albuquerque após o término do seu 3º mandato como Presidente do executivo Regional (lembro que em janeiro de 2015 este anunciou que uma das suas medidas seria “limitar a três mandatos o número de mandatos do presidente do Governo Regional”, promessa ainda por cumprir), recuperando aquela máxima que “quem ganha o Funchal, ganha a Região”! É esta ou haverá outra(s) intenção(ões)? Perante tudo isto, de facto, Immanuel Kant, o filósofo alemão responsável por uma das mais conhecidas teorias éticas, estava completamente desajustado da (nossa) realidade política: provavelmente, as boas ações já não são as ações desinteressadas, “puras”, realizadas “por dever”, mas sim as motivadas por inclinações egoístas, por aspirações pessoais, pelo desmedido apetite de poder.