O bom, o mau e o visitador
Mais do que um Marcelo visitador, a Madeira aguarda por um Marcelo autonomista
Mais do que um Marcelo visitador, a Madeira aguarda por um Marcelo autonomista
Em Itália, um artista vendeu uma escultura invisível, que apenas existe na sua imaginação. A obra vendeu-se por 15 mil euros. A inexistência explica-se como um ato de amor para com o desconhecido ou como a imaterialidade pode assumir múltiplas formas. Outra explicação possível é que o artista encontrou um rentável modelo de negócio. A rentabilização do vazio. Por cá, o governo socialista há muito domina a técnica. O Ministro do Ambiente inaugurou um parque de estacionamento para 4 bicicletas. O Secretário de Estado do Desporto inaugurou a vedação de um campo de futebol. O Ministro do Mar foi a Cascais inaugurar um ecoponto. E o Primeiro-ministro dedicou-se à inauguração de um cabo submarino. Há artistas que vendem obras invisíveis. Outros dedicam-se à arte de inaugurar o trabalho que não fizeram.
O bom: Aliança Global para as Vacinas
O Canadá garantiu vacinas suficientes para vacinar toda a sua população contra a COVID-19, por cinco vezes. A Nigéria apenas conseguiu assegurar a vacinação de um em cada dez nigerianos. Leu bem. Numa ponta do mundo todos serão vacinados cinco vezes, na outra faltam vacinas para a maioria das pessoas. Primeiro, deixe que a injustiça dos números o desperte para o fosso que separa ricos de pobres. Depois, lembre-se que um problema global, como é uma pandemia, exige soluções globais. Isto significa que, embora os países tenham direito a garantir a vacinação dos seus cidadãos, não o podem fazer impedindo a vacinação de todos os outros. Embora sedutor a curto prazo, o covid-nacionalismo impedirá o controlo global da pandemia e terá efeitos devastadores na cadeia de produção de bens. É por isso que iniciativas como a Aliança Global para as Vacinas são tão importantes. Não só pela COVID-19. O esforço de vacinação da Aliança contra a cólera, a meningite e a ébola reduziu a mortalidade infantil para metade, nos países mais pobres. Esse esforço tem de ser alargado à vacinação contra a pandemia que vivemos. A nossa sobrevivência, moral e económica, depende disso.
O mau: A final da Liga dos Campeões
Fique descansado. Esta crónica não é sobre futebol. É sobre bolhas. Foi o que nos prometeram – uma bolha – para conter os adeptos ingleses que invadiram o Porto a pretexto de um jogo de futebol. Chegariam e regressariam no mesmo dia, estariam confinados à viagem entre o aeroporto e o estádio e, ao todo, passariam menos de 24 horas em Portugal. Até que a bolha fez puf! Não rebentou, explodiu. Se calhar, nunca existiu. E enquanto assistíamos, do conforto do sofá, à marcha das hordas inglesas sobre o Porto, movidas a cerveja e deixando um rasto inconfundível de copos de plástico, demos por nós a pensar que este país não é para portugueses. Essa é a primeira, e mais triste, conclusão. Fomos vendidos no mercado internacional de quem aluga países, para violar as regras que não quer quebrar em casa própria. Durante dois dias, Portugal foi a marquise dos ingleses. O sítio onde fizeram a festa que recusaram receber no seu país. E daí retiramos a segunda conclusão. Uma vez mais, ninguém assume a responsabilidade pelo que se passou. Para além da repetida absolvição de Eduardo Cabrita, António Costa limitou-se a identificar no sucedido uma lição para o futuro. Mas o paraíso de impunidade, onde vive o primeiro-ministro, tem um senão. É que a impunidade é contagiante. Alastra como um vírus. E, por isso, é cada vez mais difícil exigir aos portugueses durante o ano, o que, ingenuamente, se permite aos ingleses num fim de semana. Mas há mais. Feita a festa e levantada a taça, o Reino Unido retirou Portugal da lista verde. Ainda há dias, falavam-nos dos benefícios económicos da final da Liga dos Campeões e da sua importância para o turismo português. Afinal, era só para inglês ver. E depois descartar.
O visitador: Marcelo Rebelo de Sousa
Há mais do que um Marcelo. O Autarca Marcelo, que valeu um mergulho no Tejo e quase ganhou a Câmara de Lisboa. O Professor Marcelo, que passou anos a avaliar políticos em horário nobre e cuja arte Paulo Portas parece querer reeditar. O Presidente Marcelo, reincidente nas selfies e pioneiro da política dos afetos, derivação moderna da política de proximidade. Menos conhecido, mas não menos relevante, temos o Marcelo visitador. Não pela quantidade de visitas que faz enquanto Presidente da República, mas pelo que resulta das mesmas. Aliás, o lugar comum das visitas oficiais de Marcelo é o silêncio sobre o que se passa em Portugal. Percebo o argumento, embora o Presidente o contorne sempre que lhe convém. Em país estrangeiro, nem uma palavra sobre problemas nacionais. A questão é que se aproxima mais uma visita presidencial à Madeira e para além de ter sido o Presidente que mais nos visitou, pouco haverá a reter das vindas de Marcelo à Região. É óbvio que a frequência das visitas é importante, que a celebração do 10 de Junho na Madeira é um marco relevante, mas a tarefa de um Presidente tem de ir para além disso. Mais do que um Marcelo visitador, a Madeira aguarda por um Marcelo autonomista. Aguardamos por um Presidente da República que se indigne pelo subsídio de mobilidade continuar por resolver, pelo sistema fiscal próprio continuar a ser olhado com desconfiança ou pela indigência financeira a que tem sido sujeita a Universidade da Madeira. As regiões autónomas precisam de um Presidente que relembre ao resto do país que nas ilhas há mais do que encargos orçamentais, também há portugueses. Haverá melhor oportunidade para isso do que no discurso do dia de Portugal?